Bola quadrada, pé furado

Charge para o Jornalistas & Cia

 

Na redação do Estadão, no final da década de 1970, o pessoal fazia algumas brincadeiras para ajudar a aliviar o stress do corre-corre dos fechamentos. Um destas brincadeira consistia em pegar uma lista telefônica, embrulha-la com folhas de jornal e transformá-la em’bolas’ de futebol. Quando alguém chegava da rua era então apanhado de surpresa com o grito: “Lá vai bola!!!!”. E tinha que se virar para devolver de primeira ou esquivar-se para evitar a pancada.

Numa certa noite, a brincadeira virou desgraça.

Renato Lombardi chegou da rua com o seu material de polícia e foi discuti-lo com Luiz Carlos Ramos, o “Barriga”. Terminada a conversa, ele caminhou para sua mesa a fim de escrever a matéria. Àquela altura, dois jornaslitas, Chico Ornellas e Julinho Mesquita, já estavam posicionados ao lado do armário, conversando dissimuladamente. Quando “Lomba”, vítima costumeira da dupla, chegou perto, viu o embrulho voar na sua direção. Não teve dúvidas. Recorreu ao sua habilidade como centroavante do time da redação e tratou de devolver o torpedo com uma vigorosa bicuda. Resultado do desastre: seu sapato de camurça atravessou a redação e derrubou tudo que aparecia em sua frente…

O grande furo

Charge para o Jornalistas & Cia

Em 1979, Marco Rossi trabalhava no jornal O Dia, de São Paulo, um diário criado por Adhemar de Barros nos idos dos anos 50, e que já tivera seus dias de glória. Na época, o jornal mantinha bravamente a sua periodicidade, mas tinha uma redação bem enxuta. Na verdade, eram dois: Rossi – o foca – e o editor Luís Feite Mota, que também trabalhava como repórter-fotográfico na Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo.

O diretor, Augusto de Oliveira, ex-chefe de impressão do jornal de Adhemar de Barros, tinha lá suas ligações com o então recém-eleito (pelo Colégio Eleitoral) governador Paulo Maluf. E foi por conta dessa relação que Rossi acabou escalado para cobrir um Governo Itinerante que tinha como destino a cidade de Presidente Prudente, no Oeste paulista.

Para quem não sabe, a ideia do Governo Itinerante até que era interessante; consistia na transferência do Governo do Estado, com todos os seus secretários, para uma grande cidade do interior e ali, por dois ou três dias, todos os prefeitos da região eram recebidos e despachavam suas demandas diretamente com as autoridades da comitiva. O transporte utilizado à época era o trem e como a imprensa convidada para a cobertura seguia com despesas pagas pelo Governo, o projeto acabou apelidado, pela própria imprensa, de “Trem da Alegria”.

Mas o detalhe desta ida para Presidente Prudente era que o diretor, Augusto de Oliveira, amigo do governador (ora bolas!), seguiria com Rossi. Responsabilidade dobrada.

Em vez de usar bloco e caneta, como a maioria dos seus colegas de jornalismo impresso, Rossi preferiu lançar mão de um gravador! Um espetáculo da tecnologia, mas naquela época nada prático, pois era grande e pesado, apesar de ser chamado de “portátil”. O microfone era ligado ao aparelho por um fio bem curtinho, o que significa dizer que para ter os detalhes dos discursos do governador Maluf Rossi se via diante do dilema de ou prender a mala entre as pernas, segurar o gravador com uma mão e o microfone com a outra, enquanto se equilibrava no meio de uma multidão (sim, porque a cada parada juntava-se uma multidão de pessoas em torno dele), ou largava tudo para trás e se concentrava em manter-se em pé, segurando apenas o gravador e o microfone (aquele de fio curtinho). Em qualquer dos casos era um desafio daqueles para um pobre foca, tanto é que quase nada conseguiu gravar dos pronunciamentos do governador naquelas concorridas e espremidas paradas.

No caminho de volta para São Paulo, Rossi soube, nos bastidores do restaurante do trem, que o governador faria uma última parada, não programada, na cidade de Lins! Ali estava seu primeiro furo de reportagem: ficou sabendo antes de todos daquela parada, quando certamente haveria mais um concorrido discurso. Eele precisava traçar uma estratégia que o colocasse ao lado do governador, quase que pregado nele, e antes de todos os seus colegas que até ali viajavam distraída e confortavelmente no vagão dos jornalistas. Daí veio a ideia: quando o trem começasse a parar na estação, ele desceria na plataforma, com o trem ainda em movimento, e se colocaria diante da porta do último vagão, o do governador. Assim, quando a porta se abrisse, lá estaria Rossi, ao lado do Maluf, pronto para gravar todas as suas palavras além do “meus queridos amigos da cidade de Lins”. Preparei seu tijolinho – vulgo gravador – e quando o trem se aproximava da estação se posicionou ao lado da porta do vagão onde estavam dois seguranças da Fepasa (Ferrovias Paulistas S.A.).

Era um momento de grande tensão, o primeiro furo da vida de Rossi… e foi! Com o trem quase parando, virou para um dos seguranças e perguntou: “E aí? Dá pra descer?”. No que ele respondeu: “Dá sim, mas cuidado para não cair”. Com a assertividade de um repórter investigativo, foi direto e firme: “Pode deixar…” E colocou o pé na plataforma…. aliás, o pé errado e acabou levando um baita tombo – ele e o seu gravador (aquele do fio curtinho) – rolando por metros afora, como um charutinho!

Quando se levantou, obviamente com o sapato todo esfolado e a calça rasgada no joelho, o trem já havia parado, o governador havia descido e aquela tal multidão, que eu nunca havia conseguido romper, já estava à volta do Maluf.

Sr. Franqueza

Charge para o Jornalistas & Cia

A charge desta semana é sobre Arlindo Piva, que faleceu aos 76 anos no ano passado.

Defini-lo como excêntrico, estranho, irritadiço, intempestivo é revelar meias verdades. Era tudo isso e muito mais. Não teve estudo formal, mas sabia mais sobre as coisas da vida do que muito graduado. Repórter de Turismo da Folha de S.Paulo, viajou o mundo inteiro e de cada canto trouxe casos que encheriam páginas e páginas. Jazz era sua paixão, tocava violão como poucos, mas só para consumo interno e para conquistar mulheres, que o adoravam. Seu incrível ouvido musical era capaz de perceber desafinação até mesmo em Miles Davis, seu ídolo supremo.

Mas talvez sua maior qualidade ou falta dela tenha sido a franqueza, tão espontânea, inesperada e contundente que sempre embaraçava as almas mais delicadas, e até as mais calejadas. Ao chegar para um jogo de dados ao apartamento de um amigo, jornalista e professor na USP, espantou-se com o tamanho do local e, diante da dona da casa, que acabara de conhecer, disse: “Jornalista honesto não pode ter um apartamento como este”.

Sua franqueza teve o momento mais alto, e desastroso, quando, funcionário de imprensa do Governo de São Paulo, acompanhou o governador a uma viagem a Porto Alegre. Depois do coquetel e do discurso final, na saída todos saúdam o governador paulista. Arlindo e o fotógrafo Gil Passarelli, acompanhando tudo, e este, para “fazer média”, diz: “Belo discurso, governador.”

Mas antes da reação do homem procurou a opinião do amigo, e perguntou: “Não é mesmo, Arlindo?” Na frente de todos, Arlindo não se omitiu, e disparou: “Foi bom sim, governador, mas o senhor erra muito no português”.

Perdeu o emprego no palácio, mas não a franqueza, que continuou como sua marca registrada, divertindo e embaraçando amigos e desconhecidos.

Chuta que é macumba!

Charge para o Jornalistas & Cia

Era meados de 1984 e delegações de jornalistas do interior de São Paulo participavam em Presidente Prudente do tradicional encontro anual organizado pelo Sindicato dos Jornalistas, à época dirigido por Gabriel Romeiro, que era, como é até hoje, do Globo Rural. Daquela diretoria participavam Luís Nassif, Joelmir Beting, Juarez Soares, José Paulo Kupfer, Vicente Alessi Filho, Fátima Turci, Samuel Iavelberg, Mara Ziravello, Sérgio Sister e Paulo Ribeiro, entre outros. A oposição havia vencido as eleições para o Sindicato, sob a bandeira da CUT, numa dura disputa contra a chapa de situação liderada por Almyr Gajardoni (hoje na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), que teve o apoio de nomes como Audálio Dantas, Lu Fernandes e muitos outros colegas.

Aquele era, salvo engano, o primeiro encontro do interior organizado por aquela diretoria e estavam todos com fôlego novo e muita disposição para fazer um trabalho que justificasse os votos recebidos da categoria. O encontro estava superconcorrido e foi prestigiado por alguns diretores e também pelo então presidente da Fenaj, Armando Rollemberg.

Depois de tensos debates, as noites serviam para relaxar. Numa delas, num dos bares da cidade, reuniu-se numa mesa um pequeno grupo, entre os quais estava Laila, uma jovem recém-formada que morava em São José dos Campos e ali estava muito mais para aprender e conhecer pessoas do que propriamente para participar dos debates. O grupo começou a inventar histórias e quanto mais inverossímeis a história, mais eles a aumentavam. Foi quando chegou à mesa Júlio de Grammont (já falecido) e pôs ainda mais tempero nas histórias, para deleite geral.

Laila, na sua ingenuidade, não entendia porque riam tanto, mas em nenhum momento deu pinta de que achasse tudo aquilo mentira. Fazia como os “escadas” para os humoristas, dando corda para que as histórias ficassem sempre mais engraçadas. De nossa parte, além das brincadeiras, queriam atraí-la para a sua base, evitando que pudesse ser eleitora da oposição.

A história que mais deixou Laila atônita foi iniciada por Julinho (um impressionante cara-de-pau e exímio contador de causos) e complementada aqui e ali pelos outros integrantes da mesa. Versava sobre as “verdadeiras” razões da vitória nas eleições sindicais.

Disse ele: “Laila, não fomos nós que ganhamos as eleições, mas eles que perderam. Nós sabíamos que seria muito difícil, pra não dizer impossível, ganhar. Sem chances, decidimos apelar para o sobrenatural e encomendamos uma macumba das bravas para ajudar o nosso lado e prejudicar o lado deles. Numa sexta-feira, 13, lá fomos todos nós para uma encruzilhada, com muita cachaça, charutos, fitinhas, bonequinhos representando a oposição espetados e um frango preto, para sacrificar à meia-noite”.

Laila: “Credo em cruz, isso não pode ser verdade! Quer dizer que vocês ganharam por causa da macumba?”.

Julinho, tentando manter a seriedade, no meio de um turbilhão de gargalhadas, passou a palavra ao Paulão Ribeiro, que emendou, sem nada ter sido combinado: “Não, Laila, na verdade fizemos o despacho para ganhar as eleições, mas as entidades nos disseram que nem com reza brava ganharíamos. Que era para nos conformarmos e nos prepararmos para os próximos anos”.

Laila: “Isso só pode ser brincadeira. Estão querendo tirar uma com a minha cara!!! Se nem a macumba resolvia, o que é que aconteceu afinal?”.

Aí entrou em cena o Vasco: “Sabe, menina, viramos o jogo por acaso. Foi obra do além. Só pode ter sido. Algum espião, que até hoje não sabemos quem é, foi bater para os caras da situação que nós havíamos feito esse despacho para derrotá-los e aí eles enlouqueceram”.

Laila: “Eu não acredito numa coisa dessas!!!”.

Vasco: “Espera um pouquinho, eu não acabei a história. Isso foi ainda naquela mesma madrugada e quando eles souberam da macumba mobilizaram o Almyr Gajardoni, o Audálio Dantas e outros colegas da chapa de situação e foram imediatamente para o local da encruzilhada. Não prestou. Foi um arraso. Era o Audálio chutando o frango, o Almyr despedaçando os charutos, a Lu quebrando enlouquecida as garrafas de cachaça… Quando fomos lá, no dia seguinte, para conferir (porque também tínhamos a nossa contraespionagem) dava até dó de ver penas, cacos e tabaco para todo lado. Parecia a guerra do Vietnã em plena capital paulista. Aí pensamos: se havia alguma esperança de ganhar a eleição, ela se acabava ali, para nossa desgraça”.

Laila: “Gente, não acredito. O Audálio chutando frango, a Lu …”.

Aí novamente entrou em cena o cinismo bem-humorado do Julinho, para arrematar: “A eleição estava perdida para nós, Laila, com macumba e tudo. Mas aí veio a ajuda divina. Revoltados com a agressão, as entidades decidiram agir em nosso favor e viraram a eleição”.

Laila: “Alto lá, companheiro!! Isso não pode ser coisa de jornalista!”.

Julinho: “Tanto pode que hoje estamos aqui, são e salvos, realizando esse encontro e conversando com você. E se aqui estamos, devemos aos chutes e tapas dados no nosso humilde despacho por Almyr, Audálio, Lu e companhia. Eles desafiaram o sobrenatural e pagaram caro por isso”.

Nunca foi desmentida essa história, que rendeu gargalhadas por um bom tempo, praticamente durante todo o mandato de Gabriel – que, aliás, nem tomou conhecimento do episódio. Mas Laila, sóbria no dia seguinte, também não deve ter se lembrado de nada. Ou, se lembrou, deve ter dado boas gargalhadas com tanto besteirol.

Cadê a pizza?

Charge para o Jornalistas & Cia

No início dos anos 1990, época do boom do já hoje quase aposentado fax, a Agência Estado criou uma linha de produtos corporativos. Um deles era o NewsPaper, uma espécie de “edição da edição” dos jornais do dia e que existe até hoje. Para os clientes receberem a sinopse até às 8h da manhã, a equipe sempre trabalhou durante a madrugada. Exatamente em 1992, em uma noite fria como estas que têm feito, o time foi tomado por uma fome daquelas.

Naquele tempo, o prédio do Estadão era quase uma “ilha” no bairro do Limão, porque não existia comércio 24 horas no entorno. O jeito foi ligar para uma pizzaria que ficava na av. General Olímpio da Silveira, bem debaixo do Minhocão, do outro lado do rio Tietê, um dos poucos estabelecimentos abertos às 2h da manhã.

Feito o pedido e fornecido o endereço, foi enfatizado que o destino era o prédio do jornal O Estado de S.Paulo. Meia hora, 40 minutos e nada da pizza. Ligamos e o atendente informou que o pedido já estava a caminho. Mais uns 20 minutos e com todo mundo já ameaçando comer lauda, parede, porta e o que mais estivesse na frente, novo telefonema com um apelo desesperado: “Moço, pelo amor de Deus, cadê a pizza???”. Do outro lado, a resposta, enfática: “Já foi entregue !”. “Nós não recebemos. Onde o motoqueiro foi?”. “Na rua Barão de Limeira!”. “Nããããooo!! A pizza foi parar na Folha!!!”.

Resultado: naquela noite, todo mundo ficou com estômago “grudado nas costas”. E ninguém sabe, até hoje, quem comeu a redonda de marguerita e calabreza durante o trabalho noturno no jornal da família Frias.

Angústia

Charge para o Jornalistas & Cia

Era uma 6ª.feira, 1º de fevereiro de 1974, 9h da manhã, 36 anos atrás. A primeira notícia chegou à redação do Estadão, então no prédio da rua Major Quedinho, no centro de São Paulo, hoje ocupado pelo Hotel Jaraguá: havia um princípio de incêndio no Edifício Joelma. Ali perto, na Praça da Bandeira, início da avenida 9 de Julho. Sílvio Sanvito é quem abria a reportagem local, a partir da contrapauta deixada na noite anterior pelo editor Clóvis Rossi. Ricardo Kotscho, o chefe de Reportagem, finalizava a pauta para um grupo de menos de 20 repórteres.

O primeiro repórter foi a pé – era só atravessar o viaduto Jacareí para chegar ao local. Chegou e avisou que a coisa era séria, muito séria. Em pouco tempo, aos repórteres de Cidades uniram-se outros, das editorias de Esportes, Economia, Política. Uma força-tarefa que reuniu toda a Redação para cobrir a maior tragédia vivida por São Paulo: no final do dia – e do incêndio – haviam morrido 188 das cerca de 750 pessoas que estavam no prédio, 300 ficaram feridas.

Quando a edição começava a ser finalizada, já início da noite, alguém deu pela falta de um repórter. Ele não voltara e não se comunicara. Contatado, o Corpo de Bombeiros não tinha notícia. Ninguém sabia do repórter sumido.

A aflição durou quase uma hora, até que um chamuscado Sérgio Mota Mello (então iniciante repórter de Cidades, que depois seria correspondente da Rede Globo em Nova York, enviado especial a vários conflitos e hoje diretor da TV1) entrasse na Redação do Estadão trazendo um belíssimo texto de quem viu o incêndio por dentro.

A Virgem Oferecida

Charge para o Jornalistas & Cia

No início dos anos 1970 Bebeto de Souza Queiroz chefiava o Departamento de Jornalismo da Faap, um grupo de feras, Rodolfo Konder e Duque Estrada, entre elas, enquanto o Centro Acadëmico era dirigido por Hamilton Octavio de Souza, o HOS.

Um dia, Hamilton precisou discutir uns assuntos e procurou Queiroz na redação do Estadão e marcaram um fondue na casa de Queiroz. Augusto Nunes ouviu a combinação e, brincando, disse que caipira de Taquaritinga, como ele, não conhecia “esse tal de fondue” e acabou convidado também.

Eis que então uma também aluna da Faap se autoconvidou e apareceu por lá em. Desinibida, afirmou que era uma das poucas virgens da classe, já era tempo de iniciar a vida sexual e estava indecisa se o “premiado” seria Hamilton ou Augusto, por isso fora ao jantar.

A menina era linda, mas apenas isso, e, como dizia Vinicius, “uma mulher não pode ser só linda, e daí? Tem que ter alguma coisa além da beleza…” – e ela não tinha, nem tinha também “semancol”.

Sem rodeios, explicou diante das filhas pequenas de Queiroz, de olhos arregalados, por que queria ser deflorada, estragou o jantar falando apenas naquilo e, na sobremesa, revelou que a escolha estava feita. O felizardo seria o Augusto Nunes que, a bem da verdade, não estava interessado, como não estava também o Hamilton.

A noite se prolongou, Hamilton foi embora, a conversa murchou e às duas da matina Augusto, bem sem jeito, disse que ia embora, e saiu desenxabido com o “prêmio” pelo braço, dizendo que ia pegar um táxi (ele tinha um “carro comunitário” comprado com quatro colegas, mas aquele não era o dia de ficar com a máquina, estava a pé).

O resultado é que na madrugada invernosa de Pinheiros, quase ao lado do rio, onde Queiroz morava, havia uma neblina de cortar com faca, nenhum táxi e, com pena, pegou seu carro e foi resgatar o casal improvisado, ainda a pé, longe. Deixou primeiro a menina na casa dos pais, no Pacaembu, para alívio do Augusto, que levou depois ao apartamento dele.

Foi há 40 anos o fondue e, num acordo tácito, nunca mais ninguém tocou no constrangedor assunto. Não se sabe quem “fez as honras” da menina que, a bem da verdade, apesar de linda, seguramente não teve muitos pretendentes.

O motorista atrapalhado

Charge para o Jornalistas & Cia

José Patrício, repórter fotográfico hoje no Estadão, mas na época no Diário, uma vez pegou o motorista de madrugada, depois de um plantão mais que estafante na extinta Febem, e pediu para tocar para sua casa, em Bonsucesso, bairro de Guarulhos, cidade da Grande São Paulo. Disse para onde ia e “caiu nos braços de Morfeu”, adormecendo na sequência. Acordou, algum tempo depois, com o motorista perguntando “se ele tinha dinheiro para o pedágio”.

Ainda atordoado de sono, Patrício, perguntou: “Mas, que pedágio?”. Para sua surpresa, o motorista fez cara de “olha que absurdo que esse cará tá falando” e respondeu que estava viajando para o Rio de Janeiro, para o bairro de Bonsucesso, que fica na periferia da Cidade Maravilhosa e precisava pagar o pedágio em Santa Isabel, já bem adiante de Guarulhos, na Dutra, sentido Rio. E ainda lamentou, em tom choroso: “Puxa vida, eu nunca viajo… Pensei que, finalmente, alguém tinha me deixado viajar”.

A história que mais contavam do motorista foi que ele, uma vez, demorou mais de cinco horas para ir do centro da cidade até o bairro de Cidade Tiradentes, na zona leste, realmente distante, mas não tanto assim. Por isso, ficava difícil para que seus chefes o deixassem viajar. Era certeza de confusão.

Mas voltando à tal “viagem” para o Rio, Patrício teve que pagar o pedágio e retornar, muitos quilômetros adiante, para Guarulhos. Se o motorista tivesse o dinheiro, ele pagaria o pedágio e seguiria em direção ao Rio. Cansado, o experiente fotógrafo ia acordar em algum trecho entre a periferia do Rio e o Leblon, sem passar por Bonsucesso.

A piada que circulou na Redação foi: Patrício ia acordar, olhar para o belo panorama da Baía da Guanabara e estranhar: “Nossa, aquele morrão lá na frente parece o Pão de Açúcar!”. Cinco minutos depois, ia dizer algo mais ou menos assim: “Não só parece, como é o Pão de Açúcar. Tem até o bondinho…”. Ia estranhar um pouco e pensar: “Rapaz, o Paschoal Thomeu (então prefeito de Guarulhos) não é fácil mesmo, conseguiu até trazer o Pão de Açúcar pra Guarulhos!”.

A ‘mola de caminhão’ de ‘Antenor de Castro’

Charge para o Jornalistas & Cia

Moacir Japiassu, o Considerado, idealizador do Jornal da Imprença e do histriônico Janistraquis, à época (ano 2000) dirigia a Revista Jornal dos Jornais, que se aproximava de seu segundo ano de vida. Ele convidou Eduardo Ribeiro, pela Mega Brasil Comunicação, para organizar a festa do que seria um novo projeto associado à publicação: o Prêmio Claudio Abramo de Jornalismo.

Amigo e admirador do artista plástico e também jornalista Amílcar de Castro, Japi o convidou para desenhar o troféu do prêmio, o que por si só, por ser Amílcar quem era, já elevaria sobremaneira a relevância do projeto, que, de resto, teve vários patrocinadores importantes.

Amílcar (falecido em 2002) relutou, pois tinha muitas atividades à época, mas acabou cedendo aos apelos de Japi e aceitou a empreitada. A pedido do Considerado, que queria que o troféu simbolizasse uma dupla homenagem (a Claudio Abramo e ao próprio artista, um dos idealizadores da revolucionária reforma gráfica do JB, em 1958), Amílcar, num daqueles lances de genialidade que só os grandes artistas têm, bolou um troféu com as iniciais C e A, que, lidas ao contrário, ficavam A e C. Ou seja, estava ali representada, como queria Japi, a dupla homenagem – C e A de Claudio Abramo e A e C de Amílcar de Castro.

A festa de entrega do prêmio seria – como de fato foi – de gala, com autoridades, empresários e jornalistas saindo pelo ladrão nos salões do Renaissance, em São Paulo, praticamente às vésperas do Natal do ano 2000. O dia era 15 de dezembro. Inesquecível. Japi conseguiu levar para se apresentar na festa o Coral da LVB, que cantou inicialmente o Hino Nacional e depois fechou a festa com uma apresentação emocionante. No meio, entre uma etapa e outra, ainda houve a apresentação do conjunto Nosso Choro, que tinha como atração principal Luís Nassif. O mestre de cerimônias era Chico Pinheiro, da Globo.

Cuidadoso, Japi fez uma rigorosa revisão no texto produzido por Paulo Vieira Lima, à época sócio da Mega Brasil e responsável por parte do cerimonial do evento. Entre as correções que fez, de próprio punho, uma foi o nome de Amílcar, que havia sido digitado erradamente. Paulo recebeu os originais corrigidos, conferiu as mudanças produzidas por Japi e promoveu as alterações necessárias em novo texto, mas, no calor dos acontecimentos, na hora de entregar o roteiro para Chico Pinheiro pôs nas mãos dele a pasta que continha o texto anterior, sem as correções. A tragédia se anunciava.

Alguns dias antes da festa, tínhamos recebido da Editora Jornal dos Jornais a informação de que a escultura estava pronta e precisava ser retirada na fundição que a produzira. Como a empresa ficava na Zona Leste de São Paulo, próxima da residência de Paulo, pedimos a ele que passasse por lá e a trouxesse no dia seguinte. Não sabíamos que a peça era um tanto avantajada, nem que pesava cerca de cinco quilos e muito menos que Paulo a traria de Metrô… em horário de pico! Para completar, fazia um calor infernal na cidade de São Paulo, daqueles de rachar taquara, como se diz no interior.

Paulo chegou bufando, com a camisa encharcada pelo suor que brotava por todos os poros de seu corpanzil de mais de 100 kg. E, com uma irritação explícita, atirou no chão aquela peça fundida e pesada, mesmo sabendo ser uma obra de arte do consagrado Amílcar de Castro, o que fez estremecer o escritório e nossos corações. Não sem antes praguejar: “Vocês são fdp mesmo. É muita sacanagem me fazer carregar de Metrô esse troféu que mais parece uma mola de caminhão! Quase fui linchado. Me senti um estivador carregando ferro debaixo de um sol africano!!“.

Foi uma gargalhada geral, não obviamente pela peça, que tinha de fato a mão do gênio e que, apesar do “tombo”, nada sofreu, por ser muito resistente e também por estar bem embalada, mas pela cena surreal que se desenhara: uma peça de Amílcar de Castro transportada de Metrô pelo sócio-diretor da Mega Brasil e apelidada de “mola de caminhão” – tudo em função da raiva que ele passou por aceitar missão, digamos assim, tão delicada.

Até hoje Paulo nega com veemência que tenha sido vingança, mas o fato de entregar o roteiro errado a Chico Pinheiro foi muita coincidência!!

Mas é claro que a história não acaba aqui.

Na noite de entrega do prêmio, já a postos, auditório lotado, Chico Pinheiro abre os trabalhos, faz os comentários iniciais e segue à risca a programação, até chegar o grande momento, a entrega prêmio. Aí emenda: “O vencedor do Grande Prêmio, além do cheque, vai levar para casa um troféu de valor inestimável, uma obra de arte de um dos mais consagrados artistas plásticos contemporâneos do Brasil. O nosso celebradíssimo ‘Antenor de Castro’”.

Ouviram-se palmas estridentes por todo o auditório, menos no metro quadrado onde, até então lépido e sorridente, estava Moacir Japiassu, que a partir daquele instante, ao ver trocado o nome de Amílcar por Antenor, em plena solenidade, após ter ele próprio revisado o texto e corrigido o erro, ficou furioso.

Sem se dar conta do que havia ocorrido – porque organizador de eventos não consegue respirar e muito menos atinar para certas ocorrências – e ao ver o sucesso que fora toda a premiação, com presenças ilustres, Eduardo dirigiu-se imediatamente a Japi para com ele dividir os “louros da vitória”.

Cercado de amigos que foram parabenizá-lo pela bela festa e pela oportunidade de homenagear o grande Claudio Abramo, ao ver Eduardo pediu licença para seus convidados, levou-o para um canto e o passou uma descompostura fenomenal, pela tal troca de nomes. O detalhe é que, embora fosse o responsável pela atuação da Mega Brasil na festa, Eduardo sequer sabia daquele “pormaior”. Foi pior que jogar um balde de água fria. Todo o brilho e o glamour daquela bela festa ruíram aos olhos de Japi (e também aos meus, a partir daquele instante), por conta da lamentável escorregada.

Chico Pinheiro, que também não reparou no erro, até hoje não deve saber do acontecido.

Os comunas capitalistas

Charge para o Jornalistas & Cia

Luiz Francisco Alves Senne trabalhava no pool de revisão da Abril, que era ligado aos gráficos, no prédio da Marginal do Tietê. Todas as publicações da editora eram revisadas cumprindo o chamado horário industrial, em três turnos: uma equipe trabalhava das 6 da manhã às 14h, a outra das 14h às 22h e a terceira das 22h às 6h do dia seguinte.

Luiz estava na área editorial da Abril desde junho de 1975 e naquele período fazia o turno das 6 da matina às 14 horas. O Departamento de Revisão, que ficava numa sala em frente ao banco, havia sido dividido e uma parte da equipe foi trabalhar na área da Reprodução, dentro da gráfica, por causa das semanais Veja, Placar e Exame. Na seção havia um colega, Benjamin Sérgio Gonçalves, que era mais antigo e exercia a função de secretário gráfico. Entre suas tarefas estava a de fazer o texto caber no diagrama.

O caso em pauta se deu no Dia do Gráfico – 7 de fevereiro –, efeméride que sempre era celebrada pelo diretor geral da Gráfica, Plácido Loriggio, com uma mensagem especial para a equipe, enviada por Circular Interna, também conhecida por CI.Pois nesse dia recebemos a CI no setor de Revisão.

O Benjamin, num momento de descontração, pegou o papel e escreveu, brincando, que preferia receber a parte dele em dinheiro. Ele só não contava que exatamente naquele dia, na troca de turno, a equipe da tarde, que entrava às 14h, fosse atrasar, e que esse atraso quase lhe custaria o emprego, embora ele nenhuma responsabilidade tivesse sobre aquela equipe e muito menos sobre a chegada fora de horário. É que a tal CI ficou na mesa do supervisor de turno, esquecida, como a chamar desgraça. Não deu outra. Apareceu por lá, no vazio da transição, ninguém menos do que o diretor geral.

Aqui faz-se necessário um parêntesis: Loriggio vivia de marcação com o Departamento de Textos, que incluía Digitação, Revisão e Past-up, porque eram vistos como comunas, por conta da formação superior que quase todos tinham.

Loriggio entrou na sala vazia e viu a CI, que ele assinara, rabiscada com a frase “prefiro minha parte em dinheiro”: O homem ficou alucinado e imediatamente rumou para a outra sala de Revisão, onde ficava o supervisor da área, Miguel Facchini, cobrando uma atitude vigorosa por conta do acontecido. Mas o Miguel era gente finíssima e sabe-se lá como conseguiu dobrar o diretor. Deve ter gasto muita saliva para que ninguém perdesse o emprego. E conseguiu, para felicidade geral.