O grande furo

Charge para o Jornalistas & Cia

Em 1979, Marco Rossi trabalhava no jornal O Dia, de São Paulo, um diário criado por Adhemar de Barros nos idos dos anos 50, e que já tivera seus dias de glória. Na época, o jornal mantinha bravamente a sua periodicidade, mas tinha uma redação bem enxuta. Na verdade, eram dois: Rossi – o foca – e o editor Luís Feite Mota, que também trabalhava como repórter-fotográfico na Secretaria dos Transportes do Estado de São Paulo.

O diretor, Augusto de Oliveira, ex-chefe de impressão do jornal de Adhemar de Barros, tinha lá suas ligações com o então recém-eleito (pelo Colégio Eleitoral) governador Paulo Maluf. E foi por conta dessa relação que Rossi acabou escalado para cobrir um Governo Itinerante que tinha como destino a cidade de Presidente Prudente, no Oeste paulista.

Para quem não sabe, a ideia do Governo Itinerante até que era interessante; consistia na transferência do Governo do Estado, com todos os seus secretários, para uma grande cidade do interior e ali, por dois ou três dias, todos os prefeitos da região eram recebidos e despachavam suas demandas diretamente com as autoridades da comitiva. O transporte utilizado à época era o trem e como a imprensa convidada para a cobertura seguia com despesas pagas pelo Governo, o projeto acabou apelidado, pela própria imprensa, de “Trem da Alegria”.

Mas o detalhe desta ida para Presidente Prudente era que o diretor, Augusto de Oliveira, amigo do governador (ora bolas!), seguiria com Rossi. Responsabilidade dobrada.

Em vez de usar bloco e caneta, como a maioria dos seus colegas de jornalismo impresso, Rossi preferiu lançar mão de um gravador! Um espetáculo da tecnologia, mas naquela época nada prático, pois era grande e pesado, apesar de ser chamado de “portátil”. O microfone era ligado ao aparelho por um fio bem curtinho, o que significa dizer que para ter os detalhes dos discursos do governador Maluf Rossi se via diante do dilema de ou prender a mala entre as pernas, segurar o gravador com uma mão e o microfone com a outra, enquanto se equilibrava no meio de uma multidão (sim, porque a cada parada juntava-se uma multidão de pessoas em torno dele), ou largava tudo para trás e se concentrava em manter-se em pé, segurando apenas o gravador e o microfone (aquele de fio curtinho). Em qualquer dos casos era um desafio daqueles para um pobre foca, tanto é que quase nada conseguiu gravar dos pronunciamentos do governador naquelas concorridas e espremidas paradas.

No caminho de volta para São Paulo, Rossi soube, nos bastidores do restaurante do trem, que o governador faria uma última parada, não programada, na cidade de Lins! Ali estava seu primeiro furo de reportagem: ficou sabendo antes de todos daquela parada, quando certamente haveria mais um concorrido discurso. Eele precisava traçar uma estratégia que o colocasse ao lado do governador, quase que pregado nele, e antes de todos os seus colegas que até ali viajavam distraída e confortavelmente no vagão dos jornalistas. Daí veio a ideia: quando o trem começasse a parar na estação, ele desceria na plataforma, com o trem ainda em movimento, e se colocaria diante da porta do último vagão, o do governador. Assim, quando a porta se abrisse, lá estaria Rossi, ao lado do Maluf, pronto para gravar todas as suas palavras além do “meus queridos amigos da cidade de Lins”. Preparei seu tijolinho – vulgo gravador – e quando o trem se aproximava da estação se posicionou ao lado da porta do vagão onde estavam dois seguranças da Fepasa (Ferrovias Paulistas S.A.).

Era um momento de grande tensão, o primeiro furo da vida de Rossi… e foi! Com o trem quase parando, virou para um dos seguranças e perguntou: “E aí? Dá pra descer?”. No que ele respondeu: “Dá sim, mas cuidado para não cair”. Com a assertividade de um repórter investigativo, foi direto e firme: “Pode deixar…” E colocou o pé na plataforma…. aliás, o pé errado e acabou levando um baita tombo – ele e o seu gravador (aquele do fio curtinho) – rolando por metros afora, como um charutinho!

Quando se levantou, obviamente com o sapato todo esfolado e a calça rasgada no joelho, o trem já havia parado, o governador havia descido e aquela tal multidão, que eu nunca havia conseguido romper, já estava à volta do Maluf.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.