Charge para o Jornalistas & Cia
A charge desta semana é sobre Arlindo Piva, que faleceu aos 76 anos no ano passado.
Defini-lo como excêntrico, estranho, irritadiço, intempestivo é revelar meias verdades. Era tudo isso e muito mais. Não teve estudo formal, mas sabia mais sobre as coisas da vida do que muito graduado. Repórter de Turismo da Folha de S.Paulo, viajou o mundo inteiro e de cada canto trouxe casos que encheriam páginas e páginas. Jazz era sua paixão, tocava violão como poucos, mas só para consumo interno e para conquistar mulheres, que o adoravam. Seu incrível ouvido musical era capaz de perceber desafinação até mesmo em Miles Davis, seu ídolo supremo.
Mas talvez sua maior qualidade ou falta dela tenha sido a franqueza, tão espontânea, inesperada e contundente que sempre embaraçava as almas mais delicadas, e até as mais calejadas. Ao chegar para um jogo de dados ao apartamento de um amigo, jornalista e professor na USP, espantou-se com o tamanho do local e, diante da dona da casa, que acabara de conhecer, disse: “Jornalista honesto não pode ter um apartamento como este”.
Sua franqueza teve o momento mais alto, e desastroso, quando, funcionário de imprensa do Governo de São Paulo, acompanhou o governador a uma viagem a Porto Alegre. Depois do coquetel e do discurso final, na saída todos saúdam o governador paulista. Arlindo e o fotógrafo Gil Passarelli, acompanhando tudo, e este, para “fazer média”, diz: “Belo discurso, governador.”
Mas antes da reação do homem procurou a opinião do amigo, e perguntou: “Não é mesmo, Arlindo?” Na frente de todos, Arlindo não se omitiu, e disparou: “Foi bom sim, governador, mas o senhor erra muito no português”.
Perdeu o emprego no palácio, mas não a franqueza, que continuou como sua marca registrada, divertindo e embaraçando amigos e desconhecidos.