O Spaguetti

Charge para o Jornalistas & Cia

O ano era 1968. O local: Páteo do Colégio – ou, como se escreve hoje, Pátio do Colégio –, região central de São Paulo, bem pertinho da praça da Sé. Foca, promovido de contínuo a repórter, passsei a ser plantonista do jornal Notícias Populares, cercado de jornalistas experientes e que trabalhavam para Última Hora, Diário da Noite, Folha de S.Paulo, Estadão, Diário Popular. O local era a Sala da Imprensa do plantão da Central de Polícia, por onde tinham passado grandes jornalistas da área policial, inclusive o mestre dos ilustradores e criador de Mônica, Cascão e companhia, Maurício de Sousa. Na Central chegavam todas as ocorrências policiais do centro e dos bairros próximos.

Sílvio Nunes, o Spaghetti, era um dos setoristas. Magro, bigodinho fino, meio surdo, sempre de terno e gravata, Spaghetti era respeitado por delegados e investigadores. Trabalhava para o Diário da Noite. Tratava a todos como “caro carissimo” e de hora em hora fazia sua ronda por telefone, ligando para os principais distritos policiais da cidade, pronto-socorros de Hospital das Clínicas e Hospital Municipal, em busca de notícias. Ouvia com dificuldade, mas não admitia.

– Boa noite! Aqui é da Sala da Imprensa da Central. Alguma coisa boa por ai? – perguntava o velho jornalista.

Coisa boa para o Spaghetti e outros setoristas era assassinato, tiroteio com morte, grandes assaltos. Sanpaulino fanático, estava sempre com o rádio colado ao ouvido nos dias de jogos. Quando anotava nomes e endereços de locais de crimes, ou detalhes dos chamados BOs (Boletins de Ocorrências), os colegas sempre checavam porque ele errava na maioiria das vezes. Mas todos faziam o trabalho de rechecagem com satisfação. Spaghetti era uma figura maravilhosa.

Noite de 4ª.feira, Pacaembu lotado, jogavam São Paulo e Portuguesa. A Sala da Imprensa ficava no final do corredor do prédio onde fora a casa da Marquesa de Santos. Sentado à mesa que pertencia aos Diários, cigarrinho na mão direita e rádinho na esquerda, Spaghetti ouvia atentamente o jogo. Eu, no outro canto da sala, falava ao telefone, apurando a prisão de um grupo de arrombadores de cofres.

O delegado de plantão, Israel Alves dos Santos Sobrinho, que era conhecido como doutor Gravatinha, porque usava com seus ternos escuros somente gravata borboleta, aproximou-se da porta e perguntou ao Spaghetti:

– O Zaqueu já chegou?

Zaqueu é Zaqueu Sofia, repórter da Jovem Pan, em atividade até hoje.

Spaghetti não ouviu. O delegado gritou e chamou a atenção do setorista, voltando a perguntar sobre o Zaqueu. A resposta veio rápida:

– Dois a zero para o São Paulo.

O delegado virou as costas e foi embora.

Esse era o Spaghetti, figura lendária da reportagem policial dos anos 60 aos 80. Deixou saudades.

O tarô de Plínio Marcos

Charge para o Jornalistas & Cia

Quem conta a história desta semana é José Paulo Lanyi. Ele lembra de quando conheceu o dramaturgo (e tarólogo nas horas vagas) Plínio Marcos.

Plínio ainda não conhecia José nem se ele era pintor de parede ou destilador de alambique. Foi deitando as lâminas. Seguem abaixo algumas das coisas que Plínio disse e predisse.

(sotaque de malandro santista, o “s” puxado)

Plínio – Tu vais ser um contador de histórias…

José – !

Plínio – O teu destino é contar histórias…

José – É mesmo? Interessante… Eu sou jornalista e escritor…(…)

Plínio – A tua maior virtude vem dos teus ancestrais. Tu nunca perdes a esperança…(…)

Plínio (sorriso maroto) – Tu nunca vais precisar de Viagra…

José (sorrindo, ahhhhhhhh…. sorrindo ainda mais…ahhhhhhhhhhh… e cada vez mais…) – É?

Plínio – Tu sempre vais ter mulher! Mulher nunca vai te faltar!

José – He, he, he…

Ficaram amigos. Afinal, ele era gênio, tarólogo e, de quebra, prediziu mulheres e virilidade in natura pra José.

O nascimento de uma lenda

Charge para o Jornalistas & Cia

A charge dessa semana é novamente sobre a Fera Popó (a mesma que não repassou uma ligação do Parreira para a redação em plenas eliminatórias da Copa de 94…). A história é mais precisamente, sobre a origem de seu apelido. Confiram:

Vera trabalhava na Revista Domingo do JB, como estagiária. Deve ter ficado lá duas semanas (era o máximo que cada editoria aguentava). Um dia, como devia ser meio surda, começou a gritar no telefone durante a apuração sobre preço de pratos para a coluna de gastronomia:

– Por favor, quanto é o popó?

Pelo visto, o sujeito do outro lado da linha não entendeu o que ela queria dizer. Por isso ela continuou, cada vez mais alto:

– O popó? Quanto é? Quanto é o popó?

As pessoas olhando em volta. A redação já quase toda parada em função da gritaria. Ninguém entendia coisa alguma.

– Por favor, meu senhor, eu quero saber o preço do popó… Quanto está o popó? Popó… Popó de caparão…

Naquele dia, Vera virou Fera. Fera Popó.

O relógio do velho Levindo

Charge para o Jornalistas & Cia

A história da semana é de Plínio Vicente da Silva. Segue abaixo o curioso relato:

“Bem acima, na borda superior do mapa do Brasil, ali à esquerda da Guiana, mais pro lado da Venezuela, a gente vê uma espécie de ponta. É onde está localizado o marco zero das três fronteiras, fincado pelo marechal Cândido Mariano da Silva Rondon ainda na primeira metade do século passado. É também nesse espigão geográfico, o mais setentrional do território brasileiro, que brota da encosta do monte Roraima, berço de Macunaíma, o mítico rio Uailan, que mais embaixo vai ajudar a formar o Cotingo.

Ainda hoje, mesmo com estradas em boas condições, não é fácil chegar ao alto Cotingo. Mais difícil ainda é alcançar a corrutela do Suapi, a minúscula vila onde uma das lendas do garimpo de Roraima instalou seus domínios. Foi nesse vale distante que o mineiro de Ponte Nova Levindo de Oliveira se tornou um dos maiores caçadores de diamantes da Amazônia. Foi, durante décadas, um dos principais fornecedores de pedras preciosas para casas de lapidação do sudeste do País. Jóias que, depois, foram alimentar a vaidade de ricaços e ricaças mundo afora.

Contam os historiadores locais que no começo do século XX havia duas coisas em profusão em Roraima: gado e diamantes. Em 1906, garantem pecuaristas pioneiros, o rebanho roraimense de zebuínos era o mais puro plantel de nelores já criado em território brasileiro, reunindo de mais de 400 mil cabeças. Já os diamantes nunca ninguém soube contar quantos foram. Saiam de avião em malotes transportados por seguranças armados. Junto com eles sabia-se que, ao lado de muitas outras de menor valor, iam as pedras mais famosas e mais bonitas entre as que já foram encontradas no subsolo da região: os fantásticos diamantes cor-de-rosa.

O velho Levindo criou fama não só por ter faro apurado para essas pedras. Era também um filósofo, um sábio, capaz de, como poucos, entender os sentimentos que passeiam pelos labirintos da alma humana. Falava manso, nunca levantou a mão para alguém e sempre resolveu as pendengas – inclusive as querelas entre suas mulheres – com uma boa conversa, coisa que mineiro sabe fazer bem, e uma salomônica competência para tomar decisões.

O que mais me marcou nesse desbravador sertanejo foi um fato ocorrido logo nos primeiros tempos depois da minha chegada em Roraima, em meados dos anos 80. Certo dia, sabendo que ele subiria a serra para fazer pesquisas no Cotingo, pedi-lhe que me levasse junto. Em princípio rejeitou. Deu-me como razão minha deficiência nas pernas, que me faria sofrer muito, já que as condições de locomoção seriam as mais difíceis, sacrificantes mesmo. Argumentei que não pretendia andar por qualquer canto e que minha idéia era ficar no acampamento, observando, convivendo com ele e seus faiscadores. No máximo poderia me aventurar a pequenas distâncias, até onde minhas limitações o permitissem. Então ele pensou, pensou e porque acho que gostava mesmo de mim e das nossas conversas, acabou concordando.

Dias antes, ao saber da viagem, havia vendido a idéia ao Caderno 2 do Estadão, editado na época pelo Luiz Fernando Emediato. Como argumento usei o fato de que se tratava de oportunidade rara para uma reportagem mostrando os primeiros passos de uma caça aos diamantes, feita num dos cenários mais cinematográficos da Amazônia.

Feito os acertos, lá fomos nós, sacolejando num velho jipe pelas veredas esburacadas. Saímos na manhã de uma segunda-feira e depois de muito rodar, com um pernoite na vila do Mutum, na tarde da terça-feira chegamos finalmente ao Suapi.

Éramos seis: Levindo, quatro faiscadores e eu. O acampamento se resumia a uma barraca sustentadas por pernas mancas e coberta por uma velha lona, sob a qual se acomodavam as redes, a gente e as tralhas. A cozinha, instalada ao ar livre, ficava na beira do rio. Tudo bem calculado, pois não havia risco de chuva, já que era a estação da seca, e nem de incêndio. Para lavar a louça, então, bastava dar alguns passos até a corrente cristalina.

Levindo fez a janta, o pessoal comeu e nem bem começou a escurecer foi todo mundo se deitar. Por dois motivos: o cansaço da viagem e a necessidade de acordar bem cedo, pois ao primeiro clarão do dia começaria o trabalho de faiscagem.

Estendido na rede, com o sono dando já seus primeiros sinais, procurei pelo velho e não o vi. Havia desaparecido. Espantei o sono e esperei, remoendo a curiosidade. Voltou talvez não mais que meia hora depois, seguido por uma índia visivelmente já na terceira idade. Com todo o respeito que merece o ser humano, ela tinha tantas e tamanhas rugas que seu rosto mais parecia casca de maracujá ressequida, mostrando os efeitos da perda do viço da juventude e dos mimos da segunda idade. Mandou que se acomodasse numa rede que instalara sob a copa de um caimbezeiro e pouco depois, vigiados por uma nesga de lua crescente pendurada no céu estrelado, já estávamos todos dormindo.

Levindo me acordou quando os faiscadores, de bateia em punho, já se entregavam à faina de revirar o cascalho, ali bem perto. Entre eles e o acampamento havia uma pedra e sobre ela, de cócoras, cachimbando fumo crioulo num pito com fornilho de barro cru e boquilha de taboca, a índia permanecia impassível. Quis perguntar, mas me contive. Precisava ver aquilo mais tempo para poder entender. Então fui com ele tomar a primeira refeição do dia: café e cuscuz com leite, que preparara numa velha panela.

Assim foram passando os dias, sempre com a mesma rotina: alvorada, café da manhã, almoço, sesta de duas horas, trabalho rio acima e rio abaixo até 5 da tarde, jantar e rede. E até o escurecer, a velha lá na pedra, de cócoras, cachimbando. Fora isso, era café da manhã, fugir para trás da moita de vez em quando, voltar para a pedra, cachimbar, jantar e dormir. O velho não a chamava para nada, nem para ajudar a lavar os trens da cozinha.

Passados dez dias, a curiosidade era tanta que não me agüentei. Com a cautela que o assunto merecia, perguntei-lhe qual era, afinal, a serventia da presença da índia naquela empreitada. Sem parar de lavar os pratos, talheres e panelas, apenas me pediu paciência e atenção. Como era um sujeito respeitado naquilo que dizia e fazia, tratei de seguir o conselho.

Na tarde de sexta-feira, décimo primeiro dia, o velho estava cuidando da cozinha enquanto os peões, deitados na rede, aguardando a janta, comentavam os resultados da faiscagem: a descoberta de pelo menos meia dúzia de promissores pontos de garimpagem, onde, nas bateadas, foram encontradas pequeninas pedras à flor do cascalho.

Diomedes, o mais jovem deles, ficou longe da conversa, pensamento perdido no horizonte e o olhar sumido na direção da pedra lisa, às margens do Cotingo. A certa altura, emendando com um suspiro, disparou num quase murmurejo: “Até que índia não é tão feia assim…”.

O garimpeiro ouviu, assuntou e então fez aquilo sobre o que me pedira para esperar. Chamou o pessoal e antes que alguém desse a primeira colherada anunciou: “Amanhã, bem cedo, vamos levantar acampamento”.

E então eu conheci, na sua profundidade, a malícia, a esperteza e a sabedoria do lendário garimpeiro. A índia velha, de cara amarrotada, era, na verdade, o despertador biológico do qual, nessas ocasiões, se socorria o velho Levindo para saber a hora de voltar para casa.”

História de Cajafeste

Charge para o Jornalistas & Cia

A ano 1970. Época dos sequestros políticos, das prisões ilegais, das torturas nos cárceres pela repressão política. Renato Lombardi trabalhava na sucursal do O Globo em São Paulo. Cobria além da área de segurança o temido Dops. Tinha dificuldade em conseguir informação e graças a Inajar de Souza, grande repórter do Jornal da Tarde, tratado pelos colegas pelo carinhoso apelido de Cafajeste, Lombardi ia aos poucos conseguindo fontes para fazer o seu trabalho. Ele não desgrudava do Inajar nas grandes coberturas. Em março de 1970 o cônsul japonês em São Paulo, Nobujo Okuchi foi sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária, a VPR.
O cônsul morava numa bela casa na Praça Buenos Aires pertinho da Avenida Angélica. O portão e a mureta que davam para a rua eram baixos. Havia uma rampa que levava à casa com um coqueiro à direita. (Anos depois construiram um prédio no lugar da casa.) Lombardi e o Inajar, estavam numa solenidade na Secretaria da Segurança que ficava na Rua Brigadeiro Tobias. Terno e gravata ouviram sobre o sequestro e fomos para a Praça Buenos Aires.
Na entrada da casa um policial que nos perguntou de onde eram. Inajar disse.
   – Somos do Estado
E o policial autorizou a nossa entrada. Acharam fácil para um sequestro daquela envergadura. Inajar encontrou policiais que conhecia dentro da casa e começamos a levantar a história. Ficaram por mais de duas horas. Material apurado. Vida do cônsul, a maneira como o sequestro ocorrera, o que a polícia estava fazendo, os primeiros contatos dos sequestradores. Pegaram ainda fotos do cônsul que estavam sobre uma escrivaninha.
Quando se preparavam para sair chegou aquele que os expulsaria daquela casa. O delegado Sérgio Paranhos Fleury. Ao nos ver se aproximou como toda a “educação e delicadeza”, chamou os policiais que conversavam com a esposa e os em pregados do cônsul e gritou.
  – Quem autorizou a entrada desses dois?
Ninguém respondeu. Mandaram chamar o policial que estava no portão.
  – Você permitiu a entrada deles? – vociferou Fleury
  – Foi sim senhor, respondeu o policial todo amedrontado
  – E porque, gritou o delegado  
  – Doutor, disse o policial, eles disseram que eram do Estado. Achei que eram da casa
Em todo o seu autoritarismo, o delegado chamou um de seus subordinados e determinou disse que nos levassem ao Dops para os autuar por falsidade ideológica. Tinham passado por funcionários do Governo do Estado. Ele os acusava de que tinhamos passado por policiais.
Foi ao que o Inajar argumentou
   – Espera lá doutor Fleury. Pergunte ao seu sobordinado exatamente o que eu disse.
O policial repetiu
   – Esse moço – apontando para o Inajar – falou que era do Estado
Inajar sacou da credencial do jornal  com as informações: Jornal o Estado de S. Paulo. Repórter. E Entregou para o delegado. “Sou do Estadão. Jornal O Estado de São Paulo.”
Fleury apontou para Lombardi.
    – E esse ai
   – Ele trabalha no O Globo e em momento algum se identificou como do Estado, disse Inajar. Verdade ou mentira? perguntou ao policial.
   – Verdade concordou o tira
Os colocaram para fora da casa. Mas tinham toda a história. No dia seguinte o JT deu uma página. O Globo também uma página. O cônsul acabou sendo libertado, trocado por 5 prisioneiros.  Infelizmente o velho Cafa nos deixou há algum tempo. Virou nome de Avenida na zona Norte de São Paulo.

A fera Popó e o Parreira

Charge para o Jornalistas & Cia

Eram idos de 1994, na editoria de Esporte do Jornal do Brasil, comandada por Oldemário Touguinhó [falecido em 2003], uma das colegas tinha o apelido de Fera Popó, tantos eram os casos em que se envolvia. Tatibitati, falava errado, escrevia mal, mas dela vinham as histórias mais engraçadas.

Parreira era o técnico da Seleção e estava no meio das eliminatórias para a Copa do Mundo. Havia uma grande pressão para que ele convocasse Romário, mas Parreira resistia. No JB, Oldemário fazia o meio de campo e sempre conseguia entrevistas com o técnico.

Naquele dia, especialmente, estavam fechando um caderno especial sobre a Copa, todos ansiosos por uma palavra do Parreira. Eis que a Fera atende o telefone, aos berros, como de costume:

– Alô! Quem? Olegário?

Vira-se para a redação e pergunta:

– Xenti, Olegário taí?

Sem paciência com mais aquela, alguém responde:

– É Oldemário, Fera. E ele não está. Saiu.

Fera reassume o aparelho e dispensa o interlocutor que esperava do outro lado da linha:

– O Olegário zaiu. Tá bom, eu falo pra ele. Té logo.

Quanto está desligando, Fera é inquirida pela redação, todos curiosos para saber quem era. Sem pestanejar, ela responde, desdenhando:

– Ah, era um tal de Barreira…

Correria geral para tentar impedir que ela desligasse. Tarde demais. O telefone já estava no gancho.

Os tucanos de Honduras

Charge para o Jornalistas & Cia

 

A história dessa semana é de Plínio Vicente da Silva, que inclusive me deu um feedback muito bacana sobre a charge dizendo que acertei a fisionomia do Maxuíba mesmo sem ter tido referência sobre isso. Segue abaixo o relato impagável sobre uma controversa venda de aviões de guerra para Honduras na década de 1980.

Recém-chegado de São Paulo com a missão de instalar o escritório de correspondente do Grupo Estado no então Território Federal de Roraima, Plínio foi morar no mesmo bairro em que está até hoje, próximo ao aeroporto e rota de pousos e decolagens. Carioca, Estrella era o único repórter fotográfico profissional que atuava em Roraima e por isso passou a ser seu companheiro de trabalho.

Na manhã de 20 de maio de 1984, por volta das 10h30, Plínio cuidava de acender o carvão à sombra de um caimbezeiro em seu quintal quando viu quatro Tucanos T-27 passarem sobre sua casa, seguidos por um Electra.

Nessa época havia em Boa Vista apenas quatro aviões pequenos – o do Governo do Território e mais três táxis-aéreos – e aqueles T-27 não faziam parte da Esquadrilha da Fumaça, as cores eram diferentes. Foi então que o seu faro de repórter disparou o alarme. Liguou para o Estrella e em cinco minutos estacionaram na frente do Aeroporto Internacional de Boa Vista a fim de descobrir o segredo que havia por trás daqueles aviões.

Como não era horário de chegada ou partida do jato da Cruzeiro do Sul, as portas estavam escancaradas. O único militar de plantão era o velho Maxuiba, cabo da Polícia Militar, nascido José de Ribamar que àquela hora da manhã dormia e roncava sob um dos balcões por conta da ressaca que sobrara da esbórnia da noite anterior.

Quer dizer: não havia vigilância policial, nenhuma segurança armada e ninguém impediu seu acesso ao pátio. Até foram convidados pelo então superintendente da Infraero, Euclydes Monerat, leitor assíduo e admirador confesso do jornal da família Mesquita (que chegava em Boa Vista com dois dias de atraso), a visitar o interior do Electra, cuja carga reunia mísseis Piranha, metralhadoras ponto 50, munição e peças de reposição. Afinal, alertou Plínio, “essa notícia merece sair no Estadão”.

Enquanto Estrella fotografava o restante da carga do Electra e os Tucanos pintados com as cores da Força Aérea de Honduras e o brasão daquele país, Plínio foi ao bar do aeroporto e abordou o comandante da esquadrilha, coronel Armínio Gutierrez. Depois, o acompanhou até o Hotel Tropical (hoje Hotel Aipana), onde ia almoçar com sua tripulação, e lá ele entregou o jogo: o Brasil vendera oito Tucanos para seu país e aqueles eram os quatro primeiros do lote.

Plínio lembrou-se então que Honduras estava em guerra com El Salvador e uma resolução da ONU proibia a venda de armamentos e aviões militares para países localizados em zona de conflito. Para contornar o impedimento, o governo norte-americano negociou com o Brasil a venda dos Tucanos, considerados aviões de treinamento e, portanto, à margem da proibição. Mas que, depois de algumas adaptações, viravam uma poderosa arma de caça aos guerrilheiros.

Ligou para o especialista em assuntos militares e armamentos, Roberto Godoy, então chefe da sucursal do Grupo Estado em Campinas. Sua reação foi de espanto: “Cara!!! Você não sabe o que descobriu. Já sabíamos sobre esses aviões e há um mês a gente estava de campana em São José dos Campos a fim de confirmar a venda”. Como os Tucanos saíram de madrugada, ninguém viu. O que as autoridades não previram é que, por ser o último aeroporto internacional, as aeronaves teriam que, obrigatoriamente, fazer uma escala técnica em Boa Vista.

As fotos e a matéria, complementada pelo Godoy com todas as informações que ele já levantara, foram bater na redação do Estadão e do JT e viraram notícia de primeira página. No Estadão, na edição do dia 24 de maio, uma 5ª.feira. Assinada pelo próprio Godoy, que no texto da página 5 cita minha participação e a de Estrella no levantamento da matéria em Boa Vista, a noticia teve repercussão imediata. O Departamento de Estado norte-americano negou a transação, Honduras confirmou, o Itamaraty desconversou, a Embraer silenciou e Plínio acabou indo parar no quartel do 2º Batalhão Especial de Fronteira (precursor da atual 1ª Brigada de Infantaria de Selva).

Disseram que Plínio não estava indo preso, mas sim “convidado” pelo comandante, coronel de cavalaria Mirócem de Oliveira Elias, para prestar esclarecimentos ao Serviço Nacional de Informação, o temido SNI, que já vivia seu estertor. Dois agentes – Fregapanni, um coronel baixinho e careca, e Dienst, também coronel, um alemão enorme – vieram de Manaus com a missão de descobrir como eu tivera acesso a um segredo militar muito bem guardado na Embraer, em São José dos Campos (SP), e vazado num distante e solitário aeroporto da Amazônia.

Plínio lhes disse apenas que se valeu de duas armas para descobrir a presença dos aviões: seus olhos, diante dos quais desfilaram os Tucanos e o Electra, e o instinto natural da curiosidade, cujo cultivo recomendo a todo repórter, por se tratar de preciosa ferramenta de trabalho. Foi por isso, levado pelo instinto de repórter, que considerou a estranheza daqueles objetos sobrevoando Boa Vista na manhã de um dos meus domingos.

Depois da reportagem e de toda a repercussão causada dentro e fora do Brasil, o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Délio Jardim de Matos, determinou a imediata construção da Base Aérea de Boa Vista.

A Luz del Fuego de Krika Ohana

Charge para o Jornalistas & Cia

Corria o ano de 1987. Tempo de efervescência política e econômica pós-fracasso do Plano Cruzado. Nas artes, os exilados que voltaram ao longo da década e muitos outros novatos tentavam cavar espaço na cena artística. A mulher da vez era Claudia Ohana, que acabara de posar nua para a Playboy dos EUA e daqui, em fotos que não saem da memória dos mais assanhadinhos com mais de 35 anos.

Foi então que sua irmã mais velha, Krika Ohana, resolveu se lançar  ao estrelato. A ideia da moça era fazer performances em homenagem à falecida vedete Luz del Fuego, imortalizada nas telas por Lucélia Santos, em um filme de 1982.

O espetáculo, em um teatro da Zona  Sul do Rio de Janeiro, era um misto de performance com show de variedades. Na época, o velho JB rivalizava com O Globo em todas as editorias. Ganhava em Política e Artes e Espetáculos. Apesar disso, nenhum artista gostava de passar em branco nas páginas de O Globo, já que representava uma espécie de passaporte para as telas da tevê. Esta sim, hegemônica, com quase 80% da audiência efetiva no Rio.

Pois bem. O show da moça foi um fracasso e Krika cismou em “culpar” o Globo.

Eis que, um dia, irrompe na redação uma senhora vestindo apenas penacho na cabeça e um salto agulha de 15 cm, ladeada por um baixinho, que depois vim saber era seu empresário, desfilando pelo imenso corredor em “L” que era a redação do jornal na rua Irineu Marinho. A cena deixou os marmanjos boquiabertos, fez a alegria dos office-boys e deixou as moças mais recatadas completamente rubras. Eu, que na época encarava meu segundo emprego (o primeiro foi como estagiário na “escola” Jornal  do Commercio) na profissão, dessa vez como rádio-escuta, sai do “aquário” para ver a moça passar. O chefe de Redação da Geral, o Laguinho, ficou atônito e esqueceu-se de que estava ao telefone com uma fonte e gritou: “Tem mulher nua na redação!”.

Krika conseguiu percorrer 90% do trajeto, tendo sido parada apenas diante da editoria de Economia por dois seguranças chamados às pressas na recepção. Além do empresário baixinho, que gritava a plenos pulmões algo do tipo: “Vocês não quiseram assistir ao show, então trouxemos o show até vocês!”. Ela era seguida de perto por um fotógrafo que fez cliques à vontade. Os filmes foram confiscados. Contudo, um deles, certamente com a cumplicidade de algum coleguinha, vazou e foi estampar as páginas do arquirrival JB.

Evandro de Andrade, que era conhecido pelo modo, digamos, assertivo com que tratava das crises, fez um editorial pra lá de irado em O Globo. Desde então, nenhuma visita conseguiu mais entrar na redação. As visitas eram recebidas no térreo ou, no máximo, na antesala da redação. Culpa da nudez de Krika Ohana.

Strip-tease

Charge para o Jornalistas & Cia

Uma assessora de imprensa, conceituada profissional nas áreas de cultura e comportamento, excelente divulgadora de espetáculos, certa vez foi chamada para divulgar um curso de streap-tease para não profissionais. O público-alvo era quem pretendesse se aperfeiçoar, digamos assim, nas prendas do lar. A nota era curiosa, e foi publicada. Saída a edição, liga a assessora para agradecer e comentar que o resultado tinha sido muito bom.  Diferentemente do esperado, não gerou matéria alguma nos meios de comunicação. Como, então, ela considerava bom resultado? Simples assim: várias jornalistas se matricularam no curso. Não me disse quem foi, nem eu perguntei. Mas alguns colegas das redações estariam, agora, lado a lado, ao que foi definido na canção de Erasmo Carlos: “insuspeitas superstars, mulheres de brilho farto, no palco do seu quarto”.