O terror das cabines

Charge da semana para o Jornalistas & Cia

Pelos idos dos anos 1980, tempo da máquina de escrever nas redações, a equipe do Estadão/Jornal da Tarde/Agência Estado que ia fazer cobertura externa, e também os correspondentes e colaboradores, tinham apenas dois meios para enviar a matéria: o telex e o bom e velho telefone – o então moderno fax chegaria quase na virada para a década seguinte. Quem ligava de fora dispunha de um time de pessoas aptas a “pegar matéria”, conhecidas como “o pessoal da cabine”. Todos trabalhavam nas Comunicações, então chefiada por Alaur Antonio Martins.
A cabine era um espaço minúsculo, onde cabiam apenas um suporte para a máquina de escrever – nessa época já elétrica, para felicidade geral da nação –, uma cadeira e, no alto, um suporte para a bobina de papel, um rolo com oito vias carbonadas, que, após registrarem o texto, eram classificadas; a equipe anotava dados como nome da retranca (matéria), repórter, editoria, veículo (às vezes era exclusiva) e horário de envio. Em seguida, eram separadas e depois distribuídas manualmente (levadas pelos contínuos) até a redação. Algo bem distante do send de hoje…

Tom desafinado

Charge para o Jornalistas & Cia

Esta história é de Eduardo Ribeiro, diretor do J&Cia (a.k.a. meu chefe).

O episódio se deu em 1987. Eram tempos em que se celebravam os finais de ano com grandes eventos para jornalistas – lautos jantares, brindes de alto valor, shows e o que mais pudesse demonstrar prestígio junto a esses profissionais, desde sempre considerados formadores de opinião.

Eduardo organizou naquele ano um jantar no Olímpia (casa de shows na Lapa, em São Paulo, fechada já há alguns anos), cuja atração era ninguém menos do que Tom Jobim. Realmente, uma ousadia e gente saindo pelo ladrão atrás de convites.

Definido o número de convidados, partiu para a formação das mesas. Ainda sem grande intimidade com o setor, mesmo já estando com um ano e meio de casa, fez, como diriam os futebolistas, o “seu melhor” para acomodar as pessoas em pares com alguma afinidade – ao menos na minha visão. Eram mesas de quatro pessoas e eu tratei de juntar casais, colegas de redação, outros convidados, para evitar aquele desagradável tráfego de pessoas buscando lugar sem qualquer orientação. Não, isso lá não aconteceria. Eduardo recebia pessoalmente quem chegasse e encaminhava à mesa reservada.

No meio da muvuca, antes da apresentação do Tom, chega com a esposa o Ari, profissional que à época já era consagrado na cobertura setorial. Foi recebido efusivamente e Eduardo lhe diz o número da mesa. Não satisfeito, encheu o peito e falou: “Ah, Ari, você vai ficar ao lado de fulano de tal, assessor de comunicação da empresa tal”.

Ao organizar as mesas, na hora de escolher o lugar do Ari, pensou: “Será bacana pô-lo na mesma mesa deste assessor, pois trabalha numa empresa que sem dúvida alguma é uma das principais fontes de informação dele. Será legal eles ficarem juntos na festa. Vai ser demais!!”

De fato, foi uma festa inesquecível, brilhante mesmo. Tom Jobim esteve irrepreensível, como sempre, e não houve quem deixasse o Olímpia sem um suspiro.

Mas para chegar àquele momento Eduardo teve que ser de circo e administrar uma crise que poderia ter tomado proporções desastrosas e até custado o seu suado emprego. Ao falar ao Ari o nome da pessoa ao lado de quem se sentaria, ele ficou vermelho e azedou imediatamente. Ato contínuo disparou: “Na mesma mesa desse sujeito eu não sento. Isso é uma palhaçada! Ou você me coloca num outro lugar ou me retiro agora mesmo da festa!”.

O mundo veio abaixo. Eduardo cheguou a pensar que fosse brincadeira. Quando insinuou isso, Ari ficou ainda mais azedo, ameaçando ir embora. E o povo chegando e vendo a cena.

No fim das contas, conseguiu arranjar outro lugar, sabe lá Deus como, porque eram todos marcados e não houvera uma única desistência. Ari foi acomodado bem longe do seu desafeto, que nunca chegou a saber dessa história. Eduardo nunca soube o que houve entre eles para tal azedume, já que seguramente continuaram a se encontrar e a se relacionar profissionalmente pelas décadas seguintes.

Charges Jornalistas & Cia de julho

Seguem as charges que ainda não postei do mês de julho para o Jornalistas & Cia

O pé-frio do Toc-toc ataca novamente

Mais uma história sobre o Domício Pinheiro, falecido repórter-fotógrafo do Estadão que tinha fama de pé-frio e o apelido de Toc-toc.

A fama de Domício parece ter começado em 23 de novembro de 1958, em Bauru, dia em que a torcida do Noroeste levou o maior susto da história do time alvi-rubro. Na tarde daquele domingo o “Norusca” recebia o São Paulo, que levava à “cidade sem limites” duas das suas maiores estrelas, Mauro Ramos de Oliveira e Dino Sani, campeões mundiais pelo Brasil na Copa do Mundo da Suécia. O estádio, com grande parte de arquibancadas em madeira, chamava-se Alfredo de Castilho, homenagem ao ex-presidente da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e um dos fundadores do clube.

Não se sabe como tudo começou, mas aos 25 minutos do primeiro tempo a geral pegou fogo. Em pouco tempo a madeira ressequida estava em chamas, incêndio que consumiu as arquibancadas populares do “Alfredão” e ainda atingiu algumas casas nas proximidades. Ninguém morreu e apenas cinco pessoas ficaram feridas. O estádio foi reconstruído e reinaugurado no dia 5 de julho de 1960, com a vitória do Noroeste sobre o Palmeiras por 3 a 2. Só que agora com novo nome: Ubaldo de Medeiros. Ele só voltaria a se chamar Alfredo de Castilho em 1964, depois do golpe militar. Explica-se: Medeiros tinha sido partidário do governo João Goulart e oficialmente os milicos alegaram que a lei não permitia dar nomes de pessoas vivas a obras públicas.

Bom, quanto ao incêndio, o que Domício Pinheiro teve a ver com a história? É que fora escalado pelo Estadão para a cobertura do jogo. Pouco antes de a partida começar ele repetiu o mesmo ritual. Testando a aproximação da lente, disparou várias vezes em ângulos aleatórios. Ainda sem dar conta do que fotografava, captara o início das chamas que, com fúria impressionante e incontrolável, pouco depois provocou o desabamento do poleirão.

O incêndio foi o principal assunto da imprensa nos dias que se seguiram. Na segunda-feira à noite a PRF 3, TV Tupi-Difusora, exibiu imagens no seu telejornal, naquela época ainda capturadas em celuloide pelas câmeras cinematográficas de 16 mm utilizadas nas reportagens externas. E o Estadão deu ampla cobertura, reportagem ilustrada, claro, com as fotos do Toc-toc.

Ouro de tolo

Quando a Prefeitura de São Paulo abria o túnel sob o parque do Ibirapuera, na década de 1980, os ecologostas reagiram contra. Chegaram a embargar a obra na Justiça, por afirmarem que as águas do lago iriam inundar o túnel, o lençol freático seria drenado, as árvores iam morrer e outras sandices.

A Secretaria de Vias Públicas fez de tudo para mostrar que os argumentos eram errados. Deram o exemplo dos túneis sob o rio Sena, em Paris, sob o Hudson, em Nova York, um túnel japonês sob o mar para ligar duas ilhas, todos operando sem problemas, e chegaram a convocar os jornalistas para que acompanhassem o plantio de uma ala de ipês amarelos exatamente sobre o túnel, para provar que as árvores sobreviveriam – e sobreviveram, tanto que ainda hoje estão lá.

A liminar embargando a obra tinha acabado de ser suspensa, mas havia recursos na Justiça para paralisar tudo de novo quando um repórter do Estadão chegou à Sala de Imprensa com uma caixinha de filme 35 mm com três pedrinhas de ouro, que um operário mineiro achara no túnel.

Era uma curiosidade que valia uma notinha – ouro de aluvião comum nos leitos dos rios. E o túnel estava sendo aberto no antigo leito do córrego do Sapateiro. As pepitas foram levadas para o secretário Reynaldo de Barros e ele agarrou o paletó no encosto da cadeira e subiu para a sala do prefeito Jânio Quadros.

Jânio vislumbrou ali a possibilidade de acabar com a discussão ecológica. Sabendo como funcionava a imprensa, telefonou imediatamente para o presidente da República, José Sarney, e anunciou pomposamente que fora achado ouro no túnel do Ibirapuera.

A notícia, divulgada pela Assessoria da Presidência da República, voltou então para São Paulo, já transformada em manchete. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas, que nem examinou as três pepitas, menores do que grãos de arroz; informou que era comum encontrar ouro de aluvião no leito dos rios paulistas, lembrando que no passado houvera garimpo até na base do morro do Jaraguá e que o rendimento das bateias era sempre pouco, não valia a pena explorar.

Aluane Neto, repórter da Jovem Pan, fez uma grande matéria sobre a “descoberta”: contou que trabalhava na escavação um peão de Minas Gerais que bateara ouro no passado e apostara com um colega que acharia ouro se lavasse a areia que estava sendo tirada do buraco do futuro túnel.

A Pan entrevistou o peão, que contou que enchera de cascalho o capacete, lavara ali mesmo dentro do túnel e, achado o ouro, ganhou a aposta. Bastou isso para o Estadão abrir a matéria e o Jornal da Tarde ir atrás do “garimpeiro”, que saiu na primeira página. Todos os jornais “suitaram” a notícia, entrevistaram geólogos, calcularam o valor do ouro, “viajaram” na história.

A partir da “descoberta”, a discussão não era mais se o túnel ia secar o lago, mas se o ouro iria ser explorado, qual o tamanho da “jazida” – que, é claro, não existia – não houve novo embargo e o túnel foi concluído. Era tão necessário que logo passou a congestionar por excesso de veículos, pois sua continuação, o que seria o Boulevard Juscelino, teve suas obras aterradas pela gestão municipal que veio depois. Coisas da política.

Acrobata em perigo

As rádios do Sistema JB tinham uma ambiente descontraído e bem-humorado que rendeu diversas boas histórias como a narrada abaixo.

Certo dia, um mensageiro muito animado, resolveu plantar bananeira perto da porta que dava para a sala da diretora da Rádio JB, Tereza Brito. Nesse exato momento, a diretora abre a porta e, sem saber do gaiato de cabeça para baixo, logo atrás da porta, e pergunta: “Tudo tranquilo, pessoal?”. A redação inteira, prendendo a respiração e de olhos arregalados, diz quase ao mesmo tempo: “Tudo bem!”. Ela estranha e pergunta: “Tudo bem mesmo? Vocês estão esquisitos!” e fechou a porta.

Logo em seguida, o “acrobata” se recompôs, muito vermelho e com os olhos quase fora das órbitas, para delírio dos colegas, que caíram na gargalhada.

O fim da brincadeira e um novo golpe na praça

Charges para o Jornalistas & Cia

MAS QUE PUXA!

As coisas mudaram – e muito – nas redações. Os computadores substituíram as velhas Olivetti, as Remington marronzinhas. Os telefones de disco desapareceram e hoje se tornaram raridades, objetos de decoração. A moçada só conhece os de tecla. Os celulares nas mãos dos repórteres substituíram as fichas, os orelhões. Sem falar da acoplagem com os notebooks. A matéria vai direto para a página.

Numa redação quase ninguém nos dias atuais sabe o que é um telex e que os confetes daquelas fitas muitas vezes eram guardados para brincadeiras com os colegas. Deixados dentro dos guarda-chuvas, provocavam irritação nos que os abriam a caminho de casa ou do almoço e recebiam um banho de confetes.

E os cestos de lixo? Na redação do Estadão, no bairro do Limão, lá pelos anos 1980, os cestos eram de lata. Nem se falava de plástico. Tinha um jornalista que se deliciava em chutar as latas. Fazia barulho e assustava os colegas concentrados nas matérias.

O nome, Antero, de sobrenome Grecco. Filho de napolitanos e o mais napolitano dos verdadeiros que conheço, tinha a mania de chutar as latas. E a cada chute vinham gritos de susto, gritos dos demais colegas. A brincadeira era quase que diária. Sadia. Havia reclamações. Tinha quem chiava, dizia que o barulho atrapalhava. Mas nada impedia Antero de continuar com sua brincadeira. Chutando latas. Até que numa certa manhã substituíram as latas pelo plástico. Acabou o barulho. O som não era o mesmo. A surpresa também. Teve gente que aplaudiu. Minoria. Mas a brincadeira ficou na memória daqueles que faziam da redação um lugar também de alegria e não apenas de trabalho.

Outros tempos…

DEPOIS DO GOLPE DA BARRIGA…

O relato é de Luiz Roberto de Souza Queiroz.

Foi no final da década de 1960 e o Meninão, que pouca gente sabia, mas se chamava Álvaro Luiz Roberto Assumpção.

Certa manhã, Meninão cancelou o briefing matinal na casa dele, na rua Gironda, porque passara metade da noite em claro e, mais tarde, contou que no dia anterior fora para a balada, engraçou-se com uma garota da noite e foi com ela para um hotelzinho da “boca do luxo”.

Cumprido o propósito da esticada ao hotel, a menina disse que estava cansada e ia ficar dormindo um pouco mais. Meninão pegou o que pensou ser sua jaqueta negra no encosto de uma cadeira, jogou sobre um ombro e voltou para casa.

Às três da manhã o telefone toca e a garota, dizendo que ele era totalmente louco, explicou que estava na portaria do hotel, enrolada numa toalha, porque Meninão levara, em vez da jaqueta, o vestido, também negro, e ela não podia voltar para casa… de toalha.

Só quase às cinco da manhã uma amiga de boa vontade pegou o carro de um conhecido e foi até o Jardim Europa para que Meninão, da janela do sobrado, jogasse o vestido negro e recebesse, num belo arremesso à distância, a jaqueta que deixara no hotel.

Essa não foi a única história famosa do Meninão em hotéis. Embora hoje só lembrado no cardápio do Paribar, que tem um “filé à Meninão”, ele foi muito comentado em São Paulo quando, no final de outra noitada, mas com uma garota que tinha a esperança de algum dia se tornar “Senhora Meninão”, hospedou-se no Hotel Esplanada – o mesmo em que Oswald de Andrade tomou champanhe com Isadora Duncan e Rudyard Kipling escreveu a Canção do Dínamo, em homenagem à São Paulo da década de 20 (do século passado, por supuesto), que se industrializava febrilmente.

Com franqueza total, Meninão explicou que casamento não estava em seus planos. E quando, após o desideratum, caiu na merecida soneca que se seguia ao ato, a ex-quase-futura noiva, que era vingativa, pegou o sapato de salto agulha e com ele deu violentíssima pancada no saco do Meninão.

Os comentários a respeito correram no meio jornalístico por culpa do contínuo que, por uma semana, ia buscar o texto diário que Meninão, preso ao quarto do Hotel Esplanada, de pernas abertas e as partes pudendas extremamente inchadas, escrevia à mão para o jornal.

O troca-troca

Charge para o Jornalistas & Cia

Paulo Vieira Lima tem muitos predicados na extensa folha de serviços prestados ao jornalismo, em diversos meios de comunicação. Um filósofo, que sempre está pensando em novas ideias, defendendo princípios dignos. Mas que ninguém cobre muita organização ou encha de disciplina ao nosso Buda Preto, apelido que ganhou graças à barriga protuberante e o jeitão de guru.

No início da Rádio CBN era um entra e sai intenso da redação, na época com 60 pessoas só em São Paulo. Sem muito espaço para colocar suas bugigangas, José Nello Marques às vezes deixava o paletó em cima da mesma peça usada pelo Paulo, na cadeira que este ocupava na produção da pauta. Além de apresentador da CBN no período da tarde, Zé era correspondente do serviço em português da Voz da América, a emissora do governo norte-americano que transmite em várias línguas. Zé Nello ou trazia o boletim escrito à mão ou sentava numa mesa e redigia ali, na bucha.

Paulo sempre foi de fazer várias atividades ao mesmo tempo e vivia apressado, com os compromissos atrasados. Num desses dias, Zé Nello deixou o paletó na cadeira do nosso Buda Preto, que, na pressa, catou o primeiro casaco que viu, jogou nas costas e já saiu em quinta marcha, soltando um rastro de poeira pelos cascos, em direção ao metrô. Com seu jeitão manso, Zé volta pra redação e vai até a tal cadeira-cabide à procura do texto para fazer o boletim da Voz da América.

– Cadê meu paletó? –, pergunta ao chefe de Reportagem ali à frente (antes do computador, formavam-se umas ilhas de duas, três ou quatro mesas, um jornalista trabalhando de frente para o outro).

– Aí! Não é esse? –, sugere o interlocutor.

– Não, não é esse de jeito nenhum! –, devolve Zé.

– Ah, então esse é o do Paulo e ele já foi embora –, confirma o chefe.

Zé Nello ficou louco da vida, bufando, mas não podia fazer nada. O telefone celular nessa época também estava empacado, por uma briga na Justiça entre fornecedores de equipamentos e a estatal Telesp, que atrasou em alguns anos a chegada dos primeiros tijolões a São Paulo. O Rio de Janeiro ganhou a primazia de inaugurar o sistema. Zé espumou, espumou, mas não tinha o que fazer.

Àquela altura, Paulo já estava quase cochilando num trem do metrô, em direção à estação Sé. Já ia subindo a escada rolante, quando enfiou a mão no bolso do paletó e notou um objeto estranho por ali. Seria um pacote de dólares do pagamento da VOA, que o Zé sacara em verdinhas, enquanto no bolso do Buda Preto só existiam carnês para pagar, alguns vencidos? Não, era o texto do pobre Zé Nello, que teve que rabiscar alguns dados às pressas, para fazer a entrada ao vivo na VOA. Ainda bem que o mais ilustre cidadão de Garça é bom de improviso. Já narrou ene vezes saída do paulistano em véspera de feriadão, velório de gente famosa, crimes leves e bárbaros, concurso de miss, desfile de carnaval no sambódromo – na tevê isso é cansativo, mas ainda dá para agüentar; no rádio, é tortura até para o porteiro do turno da madrugada.

Paulo olha para trás, confere que não tem qualquer conhecido subindo a escada rolante, chega lá em cima, dá meia volta e embarca na escada de volta, para pegar o primeiro trem no retorno a Santa Cecília. Vai no primeiro carro, para ter a sensação de que chegará mais rápido. Chega esbaforido, já com algumas gotas de suor na testa. É, não é mole não, empurrar aquela pança da estação até ao Sistema Globo de Rádio, dois quarteirões adiante e ainda subir mais um lance de escada, até chegar na redação. Cansado de botar a cara na janela para ver se via pelo menos um vulto do surrupiador de paletó, Zé Nello parte para o banheiro. Sorte, hein, Paulão?

Paulo entra apressado, dá uma panorâmica no ambiente, vai até à cadeira e destroca os paletós, rapidamente, antes que o Zé Nelo aparecesse do nada e, no calor da emoção, desse uma espinafrada no amigo. Alguém tenta puxar o Paulo para a defesa de alguma tese de última hora, mas o Buda Preto já engatando uma terceira, diz que está atrasado e sai mais veloz que o Papaléguas, para não ver nem a sombra do dono daquele paletó levado por engano, na distração. Até hoje Zé deve estar confuso com o sumiço e a aparição repentina do casaco, com todos os pertences.

Os gestos do Senhor

Charge para o Jornalistas & Cia

História enviada por Rui Pizarro.

Nos anos 1980, no Rio de Janeiro, um dos programas de rádio mais famosos era o Encontro Marcado, apresentado por Dom Marcos Barbosa, diariamente às 18h, na JB AM.

Certo dia houve uma troca de operador, o que ocasionou um episódio muito engraçado a quem assistia à transmissão do programa no estúdio da rádio.

O monge, que além de debater vários assuntos convidava o ouvinte a meditar e a orar, fez um gesto de “baixar som” para o operador que estava na mesa de áudio. Ou seja, o retorno de som que ele recebia do outro lado do estúdio estava alto demais e Dom Marcos fez um sinal com o braço para o operador baixar o volume.

O técnico, muito sério e compenetrado, e talvez se achando no meio de uma missa, não se fez de rogado: parou o que estava fazendo e se ajoelhou no estúdio, por entender que Dom Marcos pedira isso a ele.

Verdão fervoroso e nostalgia no ar

Charges para o Jornalistas & Cia

Essa foi da semana passada sobre um ascensorista fanático torcedor do Palmeiras que trabalhava no Estadão. Coitado de quem falasse mal do verdão pra dele ..

Já a seguinte é para um texto um tanto nostálgico do Nei Duclós sobre as diferenças entre as redações atuais e as de antigamente.

Nem Rolex nem Givenchy

Charge para o Jornalistas & Cia

Era 1980. Na Redação do Estado, algumas semanas após a morte de Alfred Hitchcock (29 de abril), nada indicava um dia diferente. O pessoal da edição que ia chegando conversava com os incumbidos da produção sobre o cardápio do dia. Passava das 4 da tarde quando os mais antigos, entre eles Hélio Damante e Eduardo Martins, fizeram uma rodinha em torno de um visitante. Não demorou para que a roda crescesse e muitos ficassem a ouvir as histórias de Sebastian. Era assim que tratavam aquele jovem senhor, pouco entrado nos 40 anos, estatura baixa e conversa convincente.

Sebastian havia prestado serviços de motorista à empresa anos antes e dizia, agora, que tinha amigos no aeroporto de Congonhas e muita coisa para oferecer. Eram tripulantes que traziam de rádio para automóvel a bebidas; perfume também havia e alguns relógios de marca. Tudo por um preço imbatível, que ele se dispunha a ir buscar. Só não poderia receber cheque em pagamento, tinha de ser dinheiro, tinha de ser cash.

Por duas horas Sebastian recebeu as encomendas e o dinheiro; algumas vezes ainda ligou para alguém, perguntando se havia o produto pedido. Sempre havia. Pouco depois das 6 da tarde, com a lista de pedidos, Sebastian disse que precisaria de um carro para levá-lo a Congonhas e trazê-lo de volta com a carga. Lula, o prestimoso motorista de uma Kombi, veterano do Estadão, foi escalado.

Partiram.

Por volta das 8 da noite ligou Lula para a Redação. Estava na entrada do Conjunto Nacional pela Alameda Santos já fazia quase duas horas à espera de Sebastian. Que lhe pedira, tão logo deixaram o prédio do jornal na Marginal Tietê, para passar por ali, onde iria apanhar a chave do depósito em Congonhas.

Sebastian nunca mais foi visto. Escafedeu-se com as economias de uns e os sonhos de um rádio ou um relógico novo de outros.

Aulas

Charges para o Jornalistas & Cia

Luiz Roberto de Souza Queiroz dirigia o Departamento de Jornalismo da Faap e, na dificuldade de ensinar as agruras de ser repórter, levou dois profissionais de sucesso – um fotógrafo e o velha-guarda José Stachini – para que conversassem com os estudantes.

O fotógrafo ganhara um prêmio pela fotografia do incêndio do Joelma, primeira página do Estadão, e, modesto, baixinho, contou para a garotada que ao chegar ao local do incêndio, um prédio com dezenas de andares, notou que todos os fotógrafos escolhiam a mesma imagem: os bombeiros trabalhando ou os helicópteros que tentavam pousar no alto do edifício e balançavam por causa dos rolos de fumaça quente.

“Eu precisava de uma foto diferente e examinei o prédio até achar um rapaz preso num andar alto, quase pendurado na janela, o fogo chegando perto, por trás”, disse. “Vi que o garoto ia morrer, os andares acima e abaixo dele estavam em chamas e me apoiei bem, estudei a luz, o contraste entre a figura humana, o fogo e a brancura do prédio e fiquei esperando”.

“Não deu outra”, disse o fotógrafo. “Cinco minutos e o rapaz não aguentou o calor, subiu na janela, hesitou um pouco e se atirou no ar, para a morte certa. E eu cliquei, cliquei e cliquei, com a certeza de que tinha feito uma foto única, tinha a primeira página garantida”.

Ele então olhou para a classe e contou que, de repente, no meio da euforia de ter feito a grande imagem, percebeu: “Tinha ficado torcendo para um ser humano morrer, para eu fazer a foto; e então sentei na calçada e chorei, chorei, nem sei quanto tempo chorei”.

O fotógrafo era muito sensível e contou que a lembrança do fato não o largava, não tinha mais condições de continuar fotografando. A última notícia que tive dele é que havia aberto um mercadinho, no bairro em que morava.

O outro depoimento, do Stachini, era sobre a República Dominicana, quando as tropas do coronel Caamaño foram derrotadas pelos EUA, lá por 1966. O Stachini foi o enviado do Estado e, no caminho, comprou um dos primeiros gravadores portáteis, um tijolão de muito respeito.

Ele contou que as tropas rebeldes lhe disseram que encontraria o porta-voz que procurava para a prometida entrevista se avançasse uns cem metros além de determinada trincheira. O que não ele sabia é que, ao avançar, deixaria a “terra de ninguém” para se aproximar das posições dos marines, que, evidentemente, abriram fogo contra ele.

Apavorado, Stachini se escondeu numa cratera de bomba e, enquanto as balas zuniam sobre sua cabeça, ligou o gravador e deu o depoimento que, com muito chiado, os estudantes da Faap ouviram. Ele dizia que ia ser encontrado morto e que os rebeldes tinham dado um jeito dele ser baleado pelos americanos, para que levassem a culpa, que na realidade não tinham. Fora induzido a provocá-los, sem saber, para criar um incidente internacional. Findo o depoimento, porém, ele ainda escondido, o tiroteio diminuiu e, tendo mais algum tempo, Stachini começou a se despedir dos colegas da redação.Lembrou uma por uma as grandes coberturas que fez com os amigos, pois na época o Rossi [Clóvis], chefe de Reportagem, mandava três ou quatro repórteres esgotarem assuntos como a visita do príncipe japonês Akihito, a vinda de De Gaulle ao Brasil e, já então, as enchentes. E, do seu buraco de bomba, recordava as discussões sobre lead, as brigas para conseguir mais espaço para as matérias, as noitadas com chopinho. Despediu-se de cada amigo e, como a morte não chegou (uma patrulha acabou resgatando o jornalista), voltou com o gravador e a fita.

Papelão

Charge para o Jornalistas & Cia

Certa vez, a polícia convocou a imprensa carioca para mostrar uma apreensão de drogas. Era uma apreensão pequena, de interesse apenas local, mas todos os jornais do Rio foram para lá. Reunida a plateia, entra na sala o delegado responsável pelo feito e olha a mesa que fora preparada para as fotos. Irritado, mas sereno, o delegado diz que, sobre a mesa, tinha posto 23 papelotes de cocaína. Ao chegar, viu que havia ali apenas 22. Disse ainda que não gostaria de submeter seus convidados ao constrangimento de serem revistados. Sairia da sala, apagaria a luz e, quando voltasse, queria ver na mesa o que faltava. Assim fez e ao voltar e de novo acender a luz, surpresa!: viu, na mesa, 24 papelotes. Alguém não se limitou a devolver o que tirou, mas deu de presente o que trouxe da rua.