Aulas

Charges para o Jornalistas & Cia

Luiz Roberto de Souza Queiroz dirigia o Departamento de Jornalismo da Faap e, na dificuldade de ensinar as agruras de ser repórter, levou dois profissionais de sucesso – um fotógrafo e o velha-guarda José Stachini – para que conversassem com os estudantes.

O fotógrafo ganhara um prêmio pela fotografia do incêndio do Joelma, primeira página do Estadão, e, modesto, baixinho, contou para a garotada que ao chegar ao local do incêndio, um prédio com dezenas de andares, notou que todos os fotógrafos escolhiam a mesma imagem: os bombeiros trabalhando ou os helicópteros que tentavam pousar no alto do edifício e balançavam por causa dos rolos de fumaça quente.

“Eu precisava de uma foto diferente e examinei o prédio até achar um rapaz preso num andar alto, quase pendurado na janela, o fogo chegando perto, por trás”, disse. “Vi que o garoto ia morrer, os andares acima e abaixo dele estavam em chamas e me apoiei bem, estudei a luz, o contraste entre a figura humana, o fogo e a brancura do prédio e fiquei esperando”.

“Não deu outra”, disse o fotógrafo. “Cinco minutos e o rapaz não aguentou o calor, subiu na janela, hesitou um pouco e se atirou no ar, para a morte certa. E eu cliquei, cliquei e cliquei, com a certeza de que tinha feito uma foto única, tinha a primeira página garantida”.

Ele então olhou para a classe e contou que, de repente, no meio da euforia de ter feito a grande imagem, percebeu: “Tinha ficado torcendo para um ser humano morrer, para eu fazer a foto; e então sentei na calçada e chorei, chorei, nem sei quanto tempo chorei”.

O fotógrafo era muito sensível e contou que a lembrança do fato não o largava, não tinha mais condições de continuar fotografando. A última notícia que tive dele é que havia aberto um mercadinho, no bairro em que morava.

O outro depoimento, do Stachini, era sobre a República Dominicana, quando as tropas do coronel Caamaño foram derrotadas pelos EUA, lá por 1966. O Stachini foi o enviado do Estado e, no caminho, comprou um dos primeiros gravadores portáteis, um tijolão de muito respeito.

Ele contou que as tropas rebeldes lhe disseram que encontraria o porta-voz que procurava para a prometida entrevista se avançasse uns cem metros além de determinada trincheira. O que não ele sabia é que, ao avançar, deixaria a “terra de ninguém” para se aproximar das posições dos marines, que, evidentemente, abriram fogo contra ele.

Apavorado, Stachini se escondeu numa cratera de bomba e, enquanto as balas zuniam sobre sua cabeça, ligou o gravador e deu o depoimento que, com muito chiado, os estudantes da Faap ouviram. Ele dizia que ia ser encontrado morto e que os rebeldes tinham dado um jeito dele ser baleado pelos americanos, para que levassem a culpa, que na realidade não tinham. Fora induzido a provocá-los, sem saber, para criar um incidente internacional. Findo o depoimento, porém, ele ainda escondido, o tiroteio diminuiu e, tendo mais algum tempo, Stachini começou a se despedir dos colegas da redação.Lembrou uma por uma as grandes coberturas que fez com os amigos, pois na época o Rossi [Clóvis], chefe de Reportagem, mandava três ou quatro repórteres esgotarem assuntos como a visita do príncipe japonês Akihito, a vinda de De Gaulle ao Brasil e, já então, as enchentes. E, do seu buraco de bomba, recordava as discussões sobre lead, as brigas para conseguir mais espaço para as matérias, as noitadas com chopinho. Despediu-se de cada amigo e, como a morte não chegou (uma patrulha acabou resgatando o jornalista), voltou com o gravador e a fita.

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