A festa dos laços

Charge para o Jornalistas & Cia

 

Aconteceu entre os dias 3 e 5/12 (sexta a domingo) o 31º Encontro de Jornalistas Waldemar Lourenço, que reuniu em Águas de Santa Bárbara, pertinho de Avaré, no interior de São Paulo, os integrantes da rede de sucursais e correspondentes da Agência Estado, além do pessoal da sede que recebia as matérias. Idealizada por Raul Bastos, hoje diretor de Planejamento da agência DM9DBB, e por muitos anos sob o comando de Adhemar Oricchio, assessor de imprensa do Sindicato das Escolas Particulares do Estado de São Paulo, a rede durou até meados do ano 2000, quando foi desativada. Deste tempo de trabalho sobrou uma forte amizade, consolidada ano a ano por e-mail e com o encontro presencial marcado sempre para o primeiro final de semana de dezembro.

É um momento muito esperado, para a qual a maioria dos participantes leva suas famílias para esta grande confraternização. A seguir, algumas histórias e curiosidades do encontro, definido por José Rodrigues como “a festa em que se renovam os fantásticos laços de amizade fechados entre nós, mas abertos a todos que quiserem fazer parte”:

– o encontro foi batizado de Waldemar Lourenço em alusão à memória daquele que foi correspondente por muitos anos em Presidente Epitácio. O sempre alegre e inspirador “Seu Waldemar” sempre vinha ao jornal com seu conjuntinho de brim de uma cor só, boina e a indefectível malinha;

– o grande homenageado foi Rodolfo Spínola, falecido aos 62 anos na véspera do segundo turno da eleição deste ano. Por 30 anos correspondente em Fortaleza, Rodolfo juntou-se ao grupo em 2008 e já havia colocado sua cidade à disposição dos colegas. Fez muita falta seu sorriso e entusiasmo contagiantes;

– grande “contador de causos” e autor de trovas famosas entre o grupo, José Costa distribuiu mais uma edição do jornal O Amigão, que trouxe “pérolas” do tipo:

“Os maiores veículos de comunicação do planeta já estão preocupados com o grande encontro de profissionais em Águas de Santa Bárbara. Tudo isso em função de que estarão reunidos os maiores nomes do jornalismo mundial. Serão nomes obrigatórios: os que estão na ativa, bem como os aposentados e os que estão na reserva.”

”O secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, deverá anunciar em breve que deseja manter audiência reservada com Adhemar Oricchio. Moon quer saber como montar um projeto em que elementos diversos passam a ter um comportamento civilizado. Dependendo do acordo entre ele e Adhemar, provavelmente a equipe deste último será convidada a organizar a próxima assembléia geral do órgão.”

”O Olivier Vianna alega que seu computador não tem memória suficiente para registrar os aniversários do pessoal. É que o programa que ele usa tem que citar o ano do nascimento, que vai se acumulando todas as vezes em que ele faz o lembrete. É que todos nasceram no milênio passado.”

– outro “patrimônio da memória” é Realindo Júnior, de Franca, que até hoje conta, bem humorado, sobre as confusões rotineiras que o pessoal do jornal fazia entre ele e o quase homônimo Reali Jr., que vive na França. Um dia, o pessoal de Esportes do JT ligou para ele pedindo matéria de 60 linhas sobre a vitória de uma dupla de brasileiras em uma competição aquática. “Tudo bem, eu faço, apesar de estar a 12.600 km de distância. Para o Reali é mais fácil, já que é bem mais perto, a apenas 600 km (de Paris)”. Daí o pessoal se tocou da mancada, “cometida” às 2h da manhã

– a rede se uniu para que Toninho do Carmo vencesse um campeonato de fotos promovido pela Prefeitura de Ilha Solteira, ao mobilizar um exército de gente para votar pela internet. Feliz com o incentivo, Toninho deu uma cópia impressa da foto premiada de presente para cada um;

– foi também essa turma que deu apoio irrestrito a Judas Tadeu de Campos, de São Luiz do Paraitinga, cidade fortemente atingida pelas chuvas há quase um ano. Além do apoio moral, o ex-correspondente Judas recebeu visitas e doações;

– Wanderley Midei foi o “elemento de intersecção” entre este encontro e o almoço da turma do JT, que aconteceu em novembro;

– dois dos presentes ao evento que se “reinventaram” foi Galeno Amorim, com um amplo trabalho dedicado à difusão do livro e que foi candidato a deputado estadual pelo PT na última eleição; e José Roberto Dantas Oliva, hoje juiz do Trabalho. Galeno recebeu um busto de madeira enviado pelos alunos do mariliense Colégio Criativo, de propriedade de Luiz Carlos Lopes, que assim agradeceram sua presença em palestra durante uma semana cultural. Já o “meretríssimo” Oliva será o anfitrião do 32º Encontro, que acontecerá “pelas bandas” de Presidente Prudente em 2011.

Charges Jornalistas & Cia

Estava há um bom tempo sem postar as charges do Jornalistas & Cia aqui. Seguem abaixo as mais recentes.

Não se reprima

Era o almoço de posse do presidente da Associação dos Jornalistas de Economia do Estado de São Paulo (Ajoesp). Almoço, bons vinhos, discursos. Lá pelas tantas, creio que o Teodoro Meissner foi à janela e viu uma multidão de adolescentes gritando tão alto que era possível ouvi-las no 28º andar do hotel. A razão da gritaria: os então famosos meninos do grupo musical Menudo estavam hospedados no Hilton.

Não deu outra: imediatamente alguns jornalistas presentes começaram a escrever nos guardanapos e agitá-los lá de cima como se fossemos os Menudos.. Meus amigos, o tumulto ficou descontrolado… Jogávamos guardanapos com TE AMO, I LOVE YOU e outras mensagens de amor. A cada guardanapo, gritos desesperados. O trânsito parou, pois as meninas invadiram as duas pistas da avenida. Precisou vir a polícia para acabar com a bagunça e liberar o trânsito. O discurso do Rocco foi ofuscado pelo Menudo.

Um repórter da TV Globo, se não me engano o Carlos Dornelles, virou-se para os “baderneiros” e alfinetou: “Mas quanta maldade…”.

Em busca da ossada perdida

Pela antiga Central de Polícia de São Paulo, um casarão da rua Roberto Simonsen, construído sobre a casa de taipa do bandeirante Gaspar de Godoy Moreira, passaram na década de 1960 nomes históricos da reportagem: Espaguete, Afanásio, Zaqueu Sofia, Wanderley Midei, Inajar de Souza e dois dinossauros famosos, Antonio Soares e Leonel, que se revezavam cobrindo pelo Estadão.

Anos depois de desativada a Central, Leonel contou que dela saía um túnel muito antigo, que presumivelmente no século XVI ligava a casa ao mosteiro de São Bento e que alguns policiais usavam para “amolecer” os presos pois, se espancados dentro do túnel, seus gritos não eram ouvidos na superfície. O túnel se explicava porque em 1562 a pequenina São Paulo quase foi destruída pelo ataque dos tamoios, aliados dos franceses de Villegaignon que tinham invadido o Rio de Janeiro, e alguns túneis faziam parte da defesa.

Essa velha história foi lembrada pelos pauteiros quando da perfuração do túnel da linha Norte-Sul do Metrô, no subsolo do Pátio do Colégio, mas a Companhia do Metrô não achou túnel algum. A lenda, porém, ficou na memória do reportariado e anos depois, quando o Metrô começou a trabalhar no vale do Anhangabaú, para fazer a Leste-Oeste e abrir a Estação da rua Formosa, a história foi modificada para mais um trote memorável.

Um foquinha do Estadão recebeu como pauta “driblar os engenheiros sacanas do Metrô”, que teriam topado com os ossos do padre Anchieta e caixões de vários bandeirantes ao perfurarem o solo. Como queriam era tocar a obra, o foca não deveria se impressionar com a negativa enfática dos engenheiros. Tudo o que precisava fazer era entrar correndo pelo túnel, ignorando as reclamações dos seguranças, e encontraria os “restos sagrados dos primeiros colonizadores de São Paulo”.

Antecipando o furo, o repórter se apresentou, ouviu a explicação lógica de “você está louco, meu, não tem nada aqui” e se mandou à toda para a boca do túnel, só não conseguindo entrar porque, devido à altura do lençol freático, o túnel era cavado sob pressurização e a boca só se abria de vez em quando, para a saída e entrada dos operários.

O coitado do foca, depois de solto (porque é claro que foi preso), desistiu da profissão, mas alguns coleguinhas não entenderam “o espírito da coisa” e acharam que o Estadão tinha achado um filão e que a notícia procedia.

Coube a Táta Gago Coutinho, que assessorava a então Secretaria de Vias Públicas, tourear os repórteres que queriam confirmar o encontro dos restos mortais dos bandeirantes. E é ela quem conta que, mesmo depois de provar que Anchieta morreu em Vitória, teve que chamar o elegantíssimo secretário Geraldo Borghetti, que acumulava a pasta e a Emurb, para explicar, muito sério, para repórteres extremamente desconfiados, que a São Paulo antiga não ia além de 500 metros do Pátio do Colégio e que o Anhangabau, então um brejo intransitável, nunca fora cemitério de ninguém. “Mas a história demorou a morrer”, conclui ela.

Escada Abaixo

Ali pelo final de 1964 Francisco Baker era repórter do Jornal do Brasil no Rio de Janeiro, fazendo um plantão diário entre 18h e 23 horas. Certa noite recebeu a incumbência de fazer o registro de uma homenagem ao governador Adhemar de Barros, de São Paulo, um banquete promovido pelo dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, o Chatô. O motivo da homenagem era a participação de Adhemar no golpe militar de seis meses antes, que ainda contava com o apoio de praticamente toda a grande imprensa da época, à exceção da Última Hora de Samuel Wainer (e do Correio da Manhã do Rio, que primeiro apoiou e depois se arrependeu). Ao chegar ao local do regabofe, a sede da revista O Cruzeiro na rua do Lavradio, lá encontrou, com a mesma incumbência jornalística, seu ex-colega de faculdade Elio Gaspari, que era repórter da sucursal Rio do Diário de S.Paulo.

A cena era meio surrealista. O homenageado, corpulento mas com as faces rosadas, circulava pelo salão, ornamentado por folhagens e enormes frutas artificiais, na companhia do anfitrião, este em cadeira de rodas (consequência de um derrame), sem conseguir articular nenhuma palavra inteligível e vestido numa farda de coronel da PM da Minas, uma patente honorária que recebera tempos antes. Boa parte da plutocracia nacional se apinhava no local, pois O Cruzeiro ainda desfrutava de circulação expressiva e prestígio.

Elio acabara de ser expulso da Faculdade Nacional de Filosofia por razões políticas e iniciativa do diretor da Faculdade, Eremildo Luiz Vianna (não por coincidência, com o mesmo nome daquele personagem fictício que hoje frequenta as colunas do Elio).  A matéria era insossa e o horário ingrato, de forma que combinamos passar o texto por telefone e aproveitar a boca-livre. Os dois descobriram um telefone ao lado do salão e fui o primeiro a passar a nota. Quando chegou a vez do Elio ele não se limitou aos dados do texto. Alguém da sucursal perguntou sobre a festa e ele não resistiu em exercitar sua costumeira ironia: “A decoração é tropicalista – informou ele –, isto aqui está cheio de cachos de banana e pencas de abacaxi. Mas como o Chatô não é bobo, mandou amarrar tudo no alto das colunas para que o pessoal do Adhemar não carregue para casa”.  E continuou a fazer comentários no mesmo tom, evocando a antiga reputação do governador paulista, conhecido como aquele que “rouba mas faz”.

Um sujeito que estava ao lado ouvindo a conversa teve então uma explosão de indignação e começou a desacatar o Elio sem sequer esperar que ele saísse do telefone. “Seu moleque, cafajeste, você não pode falar desse jeito”. Resolvi sair em defesa do meu colega e argumentei com o sujeito que não tinha porque se meter numa conversa telefônica privada. Para surpresa de Baker, o Elio encerrou o assunto rápido e me puxou pelo braço. “Deixa isso pra lá, vamos sair daqui”.  Enquanto outras pessoas tiravam o indignado por um lado, eles sairam por outro e o Elio se lembrava de uma obviedade que lhes escapara: “Você se esqueceu de que o meu jornal é parte dos Associados? Se o cara descobrir quem eu sou vai se queixar e eu estou na rua. Não posso perder esse emprego”.

Apesar do incidente, e como estavam com fome, voltaram ao banquete. Mal iniciaram a salada quando viram que o sujeito da altercação, um assessor do Adhemar, no outro extremo do salão, os apontava e gesticulava agitado para uns dois ou três sujeitos com físico do porte guarda roupa. Ali mesmo interromperam a boca-livre e seprecipitaram escada abaixo – o Elio achou que o elevador poderia ser uma escolha fatal – e só pararam de correr quando estavam na rua do Lavradio, a dois quarteirões de distância da sede de O Cruzeiro.

Que banquete, que nada! Naquele início de tempos bicudos, que ainda iam durar 20 anos, o lugar mais seguro era a redação.

Janela Indiscreta

Charge para o Jornalistas & Cia

A redação do Estadão tem paredes de vidro que dão para a Av. Eng. Caetano Álvares, onde passa um córrego que deságua no rio Tietê. Quando descansam das matérias do dia, o pessoal fica olhando as águas correr e os carros passarem. Um belo dia um dos contínuos da redação, o Helio, descobriu que duas vezes por semana uma mulher parava o carro do outro lado do córrego, um homem a pegava com outro carro, saiam por duas horas e ele a trazia de volta para o seu carro. Helio pesquisou como um bom repórter e descobriu que eles iam: um motel!

Não deu outra… Uma tarde, quando a delicada operação dissimuladora aconteceu, ele chamou todo mundo, contou a história e seu plano empata-foda. Esperou o casal sair, foi lá e pôs no parabrisas do carro da madame pecadora um papel enorme escrito em vermelho: “Estou observando vocês há muito tempo. Vocês vão pagar!!!!!” E a redação parou para ver o segundo capitulo da história.

O processo foi normal: duas horas depois ele a trouxe, esperou como sempre que entrasse no carro para evitar qualquer contratempo. Ela viu o recado sem mesmo ter sentado direito, correu para fora e os dois foram ver o bilhete maldoso do Helio Empata-Foda. Se desesperaram. Olharam para todos os lados – àquela altura o pessoal da redação recuou estrategicamente – e não viram ninguém, só as grandes vidraças desertas de olhares ocultos.

Nervosíssima, aparentemente quase chorando, ela partiu com o carro derrapando e ele também foi embora.

Nunca mais voltaram… Devem ter ficado pensando qual dos dois cornos tinha contratado um detetive particular e depois, passado o susto, como nada aconteceu, procurado um motel mais distante…

Maldades infantis de jornalistas desocupados, que me levaram à frase: “Todo repórter (homem ou mulher) sem ter nada para fazer é uma pessoa perigosa…” Portanto, senhores donos de jornais, só por precaução, deem-lhes trabalho…

Os suspensórios e o motorista + Dia de Praia

Estava sem postar as charges do Jornalistas & Cia por conta das novidades sobre o Pequenos Heróis, mas seguem abaixo as charges das últimas semanas.

Aliás falando em Pequenos Heróis, segue abaixo o link das primeiras (e empolgantes) resenhas sobre o livro:

No site Contraversão por Raphael Fernandes (Editor da MAD)
No site Blog dos Quadrinhos do UOL por Paulo Ramos
No Gibizada por Télio Navega

Os suspensórios e o motorista

Nem sempre, mas em algumas das estripulias envolvendo jornais na década de 1970 a vítima era gente sem qualquer envolvimento com as redações. Como o advogado Élbio Federic Pacheco, já falecido.

Heráldico cidadão que passou a infância nos períodos mais representativos da avenida Paulista, em São Paulo, assinante de raiz do Estadão, certa vez foi visto, em reunião social, com uma camisa em que havia duas listras verticais, coisa incomum para a época.

Um amigo lhe perguntou: “Está de suspensórios?”; ele reagiu bravo. Foi o que bastou para que, na edição do domingo seguinte do seu jornal preferido, um anúncio classificado mostrasse: “SUSPENSÓRIOS – Colecionador procura modelos novos ou raros, dá preferência aos que tenham pertencido a personalidades. Tratar com dr. Élbio, telefone……….”.

Para a manha ser completa, cuidou-se de pedir a um morador de Fortaleza que telefonasse, a cobrar, em resposta ao anúncio. Dr. Élbio atendeu à chamada e ouviu: “Olha, vi o anúncio no Estadão e tenho suspensórios que pertenceram ao capitão Virgulino, o cangaceiro. Interessa?”

Heráldico – mas bem-humorado –, dr. Élbio não deixou por menos. No domingo seguinte, publicou um anúncio assim, no mesmo jornal: “MOTORISTA PARTICULAR – família de fino trato procura motorista particular. Remuneração: 15 salários mínimos/mês, folgas semanais e vale-refeição”. Como referência para as tratativas, colocou o endereço do amigo, cuja residência, no mesmo domingo, foi tomada por interessados no emprego.

Dia de Praia

Em julho de 1986 Wilson Baronceli se mudou de São Paulo para o Rio, contratado pela Souza Cruz como gerente de Comunicação Social. Ficou18 anos no Rio, seis anos na empresa e outros 12 com sua própria agência de comunicação. Antes, além das experiências como bancário – ocupação a que se dedicava grande parte dos jovens da época –, havia passado, entre outros, por Estadão, Abril, rádios Globo e Transamérica, TV Tupi, Rio Gráfica, e assessorias (Metrô, IMK e Pão de Açúcar).

Na “viúva”, ou simplesmente Souza, como costumavam chamar a empresa, entrou como segundo de Vitor Sznejder, atuando na assessoria de imprensa e nas publicações. Vitor, aliás, que ele não conhecia e que segue seu amigo até hoje. É ele o protagonista involuntário deste caso.

Naquela época, o cigarro ainda tinha algum status, a empresa era uma das principais arrecadadoras do País, empregava cerca de 20 mil pessoas diretamente e, em função disso, eram muitos  os jornalistas que recebíamos. Entre eles, alguns estrangeiros, que invariavelmente eram convidados para almoçar em bons restaurantes da cidade antes ou após as entrevistas.

Um desses estava no Rio pela primeira vez, o levaram para almoçar no Porcão de Ipanema, que integrava uma rede de churrascarias rodízio muito conceituada na cidade – e, claro, fazia um sucesso tremendo entre os gringos, pouco acostumados a ver tanta carne junta. Acho que era uma 4ª.feira, tarde ensolarada.

Como a sede da Souza ficava no centro da cidade, na Candelária, resolveram voltar pela orla de Copacabana a fim de que o convidado pudesse conhecer, ainda que pela janela do táxi com ar condicionado, a praia mais famosa do mundo. Óbvio que ela estava cheia, o que acontece sempre que o tempo esquenta no Rio (ou seja, praticamente o ano todo).

Em inglês, Vitor falava sobre as belezas da cidade. O gringo só olhando pela janela. De repente, ele pergunta sem se virar para nós:

– Esse pessoal não trabalha?

Sem saber direito o que responder, Vitor olhou para Wilson pedindo socorro, mas este fez cara de paisagem, porque nada de criativo lhe ocorreu para dizer. Ele então tentou consertar:

– A maioria é estudante…

O gringo murmurou um OK, continuou a olhar pela janela e depois de uma breve pausa virou-se para eles e arrematou:

– Mas esse pessoal não estuda?

A única resposta que teve foram dois sorrisos. Amarelíssimos. Também, não precisava mais do que isso…

O Sopro Divino

Antes de mais nada, a Balão Editorial inaugurou uma loja virtual em seu site. Agora é possível adquirir a EntreQuadros – A Walk on the Wild Side pelo site deles!

Não deixem de conferir: http://www.balaoeditorial.com.br/

E, agora, a charge da semana para o Jornalistas & Cia.

Que outra profissão me permitiria tirar um sarro com o chefe e ainda ser pago por isso? Adoro ser chargista!

A história de hoje é de Eduardo Ribeiro, editor do Jornalistas&Cia. Confiram abaixo:

“Estávamos no começo dos anos 80 e eu, como já contei aqui em episódios anteriores, trabalhava na assessoria de imprensa da Villares. Há até hoje, amigos, como a Selma Severo Lins, do Jornal Nacional, aqui de São Paulo, que continua a me chamar de Dudu Villares, tal a força que um sobrenome daqueles carreava para as pessoas.

Empresa então de grande prestígio, rica, de capital nacional, a Villares tinha um Departamento de Comunicação de fazer inveja a qualquer redação de médio porte. Éramos cerca de 15 profissionais, respondendo por tudo o que envolvesse comunicação institucional. E pelas regras da empresa, uma das atribuições de quem, como eu, fazia assessoria de imprensa era facilitar ao máximo a vida dos jornalistas. Com informação, quando isso fosse possível, e com press-releases, fotografias e, sobretudo, no acompanhamento a entrevistas. Era uma espécie de obrigação levar e trazer de volta, em segurança, os repórteres que aportavam em alguma das fábricas do grupo. E íamos com nosso próprio carro, já que a empresa pagava ao final de cada mês o reembolso das despesas que tínhamos a seu serviço.

Naquele início de tarde, se a memória não me falha, minha tarefa era acompanhar o repórter José Roberto Caetano – hoje editor da revista Exame, onde está há vários anos – numa entrevista que faria para a revista Fundição e Matérias Primas, na fábrica da Aços Villares, em São Caetano do Sul.

Encontrei-o no local e horário combinados e lá fomos em minha Brasília Vermelha rumo ao ABC.

Matéria feita, tudo correndo bem, ainda meio da tarde, regressamos a São Paulo. Satisfeitos com o resultado da entrevista, estávamos já na divisa entre São Caetano e São Paulo, quando, na descida de um pontilhão, percebi que o carro ficou totalmente sem aceleração.

Joguei o carro para o lado direito e, não sem alguns xingamentos, consegui encostar com alguma segurança. Imediatamente fui ver o que tinha acontecido, mas já sabia que não era coisa boa, pois tinha visto fumaça saindo do motor.

Abri a porta de trás da Brasília e em seguida o tampo sobre o motor. Foi entrar oxigênio no para o fogo levantar. Beto Caetano, também já fora do veículo, assistia a minha total imperícia em lidar com o fogo. Com ele, um bando de curiosos, que se juntaram em alguns segundos.

Não havia muito o que fazer: era apagar o fogo ou ver o carro ser destruído. Ao pegar o extintor, percebi que não estava nem um pouco preparado para aquela ação. E que nenhuma boa alma assumiria a emergência. Era comigo.

Quando me dei conta de que não conseguiria apagar aquelas chamas com o extintor, por absoluta falta de destreza, e tendo a certeza de que daquela plateia não sairia qualquer ajuda nos, digamos assim, “procedimentos bombeirísticos”, enchi-me de brios e de ar nos pulmões e parti para cima do fogaréu com um sopro de que nunca mais vou esquecer. Um sopro divino, que imediatamente fez cessar o fogo, deixando o pobre motor da Brasília muito pretejado e esfumaçado, mas salvo das terríveis chamas.

Não foi, a bem da verdade, um sopro comparável ao daquele do lobo na história dos três porquinhos, mas serviu para apagar o fogo.

O carro se salvou e ficou numa oficina nos arredores, para a troca da fiação, que era onde o fogo havia começado. No dia seguinte, tive meu carro de volta, pronto para outra.

Não acreditam? Perguntem ao Beto Caetano…”

Os tenores de Ézio Sertorio

Charge para o Jornalistas & Cia

O memórias da redação desta semana tem um tom mais saudosista do que humorístico. O texto é de Plínio Vicente da Silva.

“Pavarotti, Chitãozinho e Xororó

Não sei se foi por fazer bem o que fiz, mas tenho cá comigo que é pelo respeito que sempre dediquei aos animais e às plantas que venho merecendo repetidamente as graças da natureza. Talvez também por isso, desde pequenininho tenho mantido com ela uma relação de trocas, cujos resultados têm ficado no meio a meio: eu ganho, ela ganha. Na infância e juventude por certo ela tolerava meus deslizes: de família pobre, morando no mato, pescava e caçava estritamente para levar pra casa a proteína animal que não dava pra comprar no açougue ou no armazém da vila; por certo também aprova até hoje, quando já vou pela terceira idade, as minhas mesmas virtudes: não aprisiono nem passarinhos nem quaisquer animais. Luto para vê-los livres a fim de poderem me saudar todas as manhãs.

Sou grato por essa relação continuar assim ainda hoje, mais de meio século depois. Mesmo morando num ambiente tipicamente urbano, a vantagem é que aqui, não muito longe, tenho rios e floresta me rodeando e faço dos pássaros meus hóspedes nas fruteiras do quintal. Além deles, vez ou outra alimento pequenos animais, como uma cutia curiosa e a família de tamaris (saguis pretos), ela que constantemente vem à porta da minha casa, eles que vêm de passagem, passeando de copa em copa pelas árvores dos quintais. Mas os passarinhos, ah! os passarinhos… São tantos e tão diversos: sabiás, sanhaços, sanhaçus, sanhaçuíras, corrupiões, cardeais, tucanos, bem-te-vis, araras, aratingas, jandaias, papagaios, maritacas, periquitos, rolinhas, sebinhos, corruíras, cardeais, canários…

Um deles em especial me leva a viajar pelas memórias do passado, quando também na infância fazia dos canários-da-terra e canários-do-reino companheiros de todas as manhãs. Bem cedinho, ao nascer do sol, eles vinham disputar o desjejum – alpiste, ovo cozido e alface – que eu lhes deixava numa cumbuquinha de meia cabaça pendurada sob o telhado do velho forno caipira.

Além dos animais, os rios também sempre fizeram parte da minha vida. Limpos ou sujos. Na primeira infância, o Jacaré, em Nova Europa; depois, até a juventude, o Moji Guaçu, em Guatapará, então limpo e piscoso. Junto com eles vinham os pássaros, muitos deles cantores que me enlevavam e me faziam imaginar como a vida pode ser tão bela com eles e tão vazia sem eles.

Também lá na juventude, enquanto as tardes quentes iam ganhando o frescor da brisa que soprava na boca da noite, rádio de pilhas ligado nas ondas curtas da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, eu me entregava a um dos meus prazeres: entreouvir as aventuras de Jerônimo, o herói do sertão com os últimos trilados dos nhambus. Cantos que vinham das palhadas das roças da fazenda, onde, em meio à juquira, eles comiam os grãos espalhados pelo resto perdido da safra recém-colhida.

Tudo isso ficou lá longe quando fui embora pra cidade grande. Em vez do Moji Guaçu, com suas águas cristalinas, encontrei o Jundiai, um esgoto a céu aberto. Em vez da companhia dos nhambus e canarinhos, pardais e pombos; em vez de trilados e trinares melodiosos, pios e arrulhos sem graça nenhuma.

Quando cheguei à redação do Estadão, no final dos anos 70 do século passado, ganhei a companhia de outro rio, o Tietê, igualmente um esgoto a céu aberto. Aprisionado entre as paredes de concreto, aço e vidro, aos meus olhos a natureza se resumia a algumas plantas encravadas em vasos de jardim. Nada mais que isso. E então me senti órfão da liberdade. Nem mesmo quando saía às ruas conseguia encontrar algum vestígio do que deixara no interior. Em vez da mata que circundava o Moji Guaçu, com suas árvores imponentes – faveiros, jacarandás, jequitibás, timburis, copaíbas, perobas, ingazeiras e ipês –, resignava-me com a presença de algumas árvores ornamentais e nada mais além de mamoneiras e capinzais que se espalhavam na beira do rio.

Um dia, no meio do trabalho, por um motivo qualquer tive que ir à Produção. Era a nossa retaguarda, setor do jornal que cuidava de atender as necessidades operacionais da redação. Como, por exemplo, a expedição de requisições de fotógrafos e motoristas, a distribuição de pautas para sucursais e correspondentes, envio e recepção de informações que alimentavam o tráfego entre o interior e o exterior do jornal, entre outras atribuições.

Nas refeições do bandejão eu fizera amizade com pelo menos cinco daqueles que trabalhavam por lá: João Sampaio, Zeca, Antônio, Francisco e Ézio Sertorio, este um amigo especial. Contou-me recentemente que depois de se aposentar, foi brincar de marceneiro com um amigo, “pois a gente tem que fazer alguma para levar a vida antes que ela nos leve”. E me contou mais: “Estou morando na Vila Prudente, um bairro vizinho da Mooca (opa! Estados Unidos da Mooca), onde nasci. Melhor bairro do mundo. Só tem ‘oriundi’, capisci?” Capisco!!!

Ézio tornou-se uma pessoa especial na minha vida porque me fez reencontrar um personagem da minha infância, o canarinho. Ele tinha um que, mesmo preso numa gaiola pendurada no teto, passava o dia cantando. Às vezes cantava noite adentro enganado pelo alumiar das lâmpadas fluorescentes. Não era canário-da-terra, era do reino. Mirradinho, como lembra o Ézio, “cantava como um doido e por isso me deixava preocupado, pois o gogó do danado estufava como um balãozinho. Morreu de velho, com 14 anos”. Seu nome: Pavarotti.

A paixão do Ézio pelos passarinhos é a mesma que eu guardo na alma de menino do interior. A única diferença é que os meus viviam e vivem livres, os dele, aprisionados em gaiolas. Um ato perdoável, pois na selva de pedra só assim mesmo. Além do Pavarotti, Ézio teve outros pássaros. Como um mestiço campainha, 80%  branco, com algumas penas pretas e porque era também um grande cantor recebeu nome de Xororó. Tempos depois ganhou outro, também muito bom de gogó e por isso foi batizado de Chitãozinho.

A coleção tinha ainda o Radamés, um corrupião – ou sofrê, como é conhecido no Nordeste. Veio bem antes dos canários. Bicho esperto, vivia livre em casa e até assobiava as primeiras notas do Hino Nacional. E o Chicão, pássaro-preto – ou vira-bosta –, também vivia solto. Gostava de desamarrar o cadarço dos sapatos das visitas. Ézio lembra bem dele: “O danado acabou fugindo quando mudamos para Mairiporã. Acho que por causa de um tiziu que vinha todos os dias provocá-lo. Preso na gaiola pra não incomodar as pessoas, se debatia feito louco na ânsia de querer pegar o invasor. Tanto fez que acabou afrouxando os arames, escapuliu, foi embora e nunca mais voltou”.

Hoje, vivendo aqui na pacata Boa Vista entre dois rios limpos e piscosos – Branco e Cauamé –, que emolduram um dos cenários mais bonitos da Amazônia, sou alegrado todos os dias, o dia todo, por uma ruma de amigos que frequentam as árvores do meu quintal. Aos poucos fui lhes dando os mesmos nomes que um dia o Ézio deu aos seus passarinhos. Ao canarinho, cujas penas brilham como ouro à luz do sol nascente, que ele recebe cantando sempre no ponto mais alto da palmeira acumã, dei o nome de Pavarotti; os dois sabiás, que fazem do ritual de flerte às fêmeas um interminável dueto na copa do caimbezeiro, são Chitãozinho e Xororó; ao bem-te-vi que vive a bicadas disputando os grãos de ração com meus poodles, chamo Chicão; por fim, como aqui também colecionei a amizade de um sofrê, justo então lhe dar o nome de Radamés.

De resto, como a felicidade nunca é completa, às vezes, nas tardes quentes de verão, quando o sol já vai se entregando aos braços do poente, me pego aguçando os ouvidos na direção das várzeas onde estão as lavouras irrigadas de arroz e as palhadas que sobraram da última colheita. Não sei se é obra da minha mais pura imaginação, que vai buscar recordações antigas, mas em meio ao silêncio, quebrado apenas pelo canto melancólico das cigarras agarradas aos troncos das sumaumeiras e castanheiras, pareço escutar o trilar trincado dos nhambus…”

Imprensa Marrom

Charge para o Jornalistas & Cia

História dessa semana é de Marco Antonio Rossi.

“Em mil novecentos e…. Bem, é melhor não entrar no detalhe do ano… Mas, num certo ponto da minha carreira de repórter, ainda no início dela, havia eu deixado redação do jornal O Dia, de São Paulo, para cumprir um breve período no badalado Jornal da Tarde, do Grupo Estado. Breve porque minha missão era a de cobrir as férias de um repórter da editoria de Economia, à época comandada por Luís Nassif.

Uau, que responsa! De uma hora para outra deixei a humilde redação da avenida Liberdade para ascender ao oitavo andar do edifício do Grupo Estado, junto da Ponte do Limão, resvalando em figurões como Ruy Mesquita, Fernando Mitre, meu quase homônimo Marco Antonio Rocha, Percival de Souza, o deslumbrado Leão Lobo e o meu chefe por um mês, Luís Nassif, à época considerado o “garoto revelação” do jornalismo de Economia.

Trabalhar naquele JT, creio, seria o mesmo que trabalhar num Google nos dias de hoje: gente pra lá de inteligente, criativa, ousada e jovem no jeito, nos trajes e nos sonhos. Respirava-se uma atmosfera modernista, era quase o estado d’arte. Tanto era assim que o pessoal do Estadão, mais sisudo e autista, olhava para a turma do JT com ar de distanciamento interplanetário, como se a gente fosse coisa do outro mundo. Mas, no fundo, nos respeitava.

Pois bem, lá estava eu, nos meus primeiros dias de Jornal da Tarde, obviamente louco para mostrar serviço e revelar todo o meu talento, uma verdadeira pedra preciosa, pronta para ser descoberta e lapidada. Como estreante no jornal, e ainda por cima forasteiro, as pautas a mim passadas eram, digamos, menos impactantes. Numa certa manhã, fui um dos primeiros a chegar á redação (o expediente começava por volta das 11h para os reles mortais) e Nassif já estava lá, envolto nas apurações do escândalo de plantão: o caso da Corretora Tieppo, que na época vinha sendo apurado por Silvio Vieira, uma espécie de Sherlock Holmes do JT, especializado em jornalismo investigativo. Para quem não se lembra do Caso Tieppo, esse foi o primeiro grande escândalo financeiro do Brasil, o nosso primeiro grande crime do colarinho branco. À época, a corretora presidida por José Mario Tieppo captava recursos de grandes investidores paulistas, nomes intocáveis e da mais ilibada reputação, para aplicar no mercado internacional, apesar de isso ser ilegal. O assunto fervilhava na redação e em toda a imprensa.

Cheguei à redação, sentei à mesa em frente à de Nassif, que me olhou e disse: “Marco, requisita um carro e dá um pulo no DOPS. Procura o dr. Gaia e veja o que ele pode dizer sobre o Caso Tieppo”. A frase caiu como uma bomba sobre mim. “Não brinca”, pensei, “estou num grande caso”. Nem abri o jornal do dia, peguei minhas coisas e disparei para o Setor de Transporte. E foi ali que comecei a me meter numa grande fria! No auge do entusiasmo, nem li a matéria publicada sobre o Caso Tieppo. E lá fui eu para o DOPS, na mais reluzente cor laranja!

O tal de dr. Gaia era o temido – ou “respeitado” – dr. Clayde Gaia da Costa, delegado da Polícia Federal, lotado no DOPS – Departamento de Ordem Política e Social do Estado de São Paulo. Sobre a instituição, pairava um ar um tanto sinistro e acusações de prisões arbitrárias e de torturas. Mas não era só na reputação que o DOPS assustava. Suas instalações, com largos corredores e teto alto, móveis pesados e olhares desconfiados, chegava a dar calafrios. E, de repente, lá estava eu, o laranjão do JT, pronto para entrevistar o dr. Gaia, do DOPS.

Fui recebido por uma secretária movida a pilha, que pediu que eu aguardasse sentado num grande banco de madeira escura, com cabeças de sei lá o que entalhadas nos braços de apoio. Enquanto o tempo passava, eu pensava nos inúmeros casos de prisões arbitrárias e desaparecimentos que eram relacionados àquele lugar. Finalmente a enorme porta do gabinete se abriu e a secretária, disse em tom sepulcral: “O dr. Gaia vai recebê-lo agora”. E lá fui eu, gabinete adentro.

Atrás da enorme mesa, que aliás parecia fazer par com aquele banco lá de fora, estava o dr. Gaia. Sorriso simpático, mas com aquele ar de autoridade que só nos tempos de DOPS se via. “Por favor, queira se sentar”, disse ele gentilmente. “Então o senhor é jornalista!” perguntou-me com um sorriso entre os lábios. “Sim, dr. Gaia, eu sou, e gostaria de conversar com o senhor sobre o Caso Tieppo, em que pé estão as investigações”, já fui me abrindo. “E de qual veículo o senhor é?”, indagou o delegado, justamente olhando para um exemplar do JT do dia, que estava sobre a sua mesa.

Confesso que, àquela altura, estava até que um pouco à vontade diante da aparente gentileza, a ponto de responder quase que de bate-pronto: “Sou do Jornal da Tarde”, e dei um sorriso. A propósito, só eu sorri, um sorriso que foi se amarelando na medida em que o dr. Gaia desviava os olhos do jornal sobre sua mesa, erguendo-os em minha direção. Mas, que raio de expressão de ódio era aquela? “Então você trabalha nesse pasquim? Você atua nessa imprensa marrom”?

Caramba, o homem virou um bicho! “Eu vou processar aquele antro de mentirosos!”, esbravejava o dr. Gaia, dando tapas na mesa. “Eu vou prender esse tal de Lagartixa!” (Lagartixa era o apelido do Silvio Vieira) E eu lá, com a alma petrificada, naquela altura do campeonato torcendo para que alguém, na redação, lembrasse que eu havia seguido para o DOPS para fazer uma matéria.

Quase que pedindo desculpas por estar lá, me borrando todo, consegui esboçar uma breve pergunta, buscando uma explicação para aquela histeria compulsiva: “Mas eu não estou entendendo, dr. Gaia. O que houve? Qual o problema?”. E o homem ficava cada vez mais vermelho e transtornado, e eu pensava: “Se não for ele a ter um infarto, certamente serei eu!”

Mas ele fez uma pausa, respirou fundo, ajeitou os cabelos que mais pareciam os de um maestro no auge da função, dirigiu-me um olhar pontiagudo e vociferou: “O que houve? Você quer saber o que houve?”. O meu sorriso amarelo voltou. “Então você trabalha nesse jornaleco e não sabe o que houve?”. Pensei com os meus botões: “Pois é, né? Que cagada, não é mesmo?”.

Bem, o que houve foi que, naquele dia, a matéria do JT afirmava que o dr. Gaia havia se encontrado com o José Maria Tieppo numa situação muito suspeita, insinuando algum um envolvimento entre os dois, uma tentativa de se “quebrar o galho” nas investigações do escândalo. O homem estava uma fera e, claro, tinha que sobrar pra mim, que não tinha lido o jornal.

No final das contas, quase uma hora depois de servir de terapeuta para o dr. Gaia, deixei o DOPS e voltei à redação. Ainda não com uma grande reportagem, mas com uma boa história do “dia em que quase caguei no DOPS”. Ainda não seria daquela vez minha tão sonhada manchete de primeira página no JT. Precisei esperar mais um pouco, mas ela veio, e de novo me meti numa fria. Mas essa é uma outra história.”

E assim nasceram os cadernos de vestibulares…

Charge para o Jornalistas & Cia

PS: Que nenhum advogado me processe por essa…

O Jornal da Tarde que fez escola e marcou época nos seus primeiros anos de vida, no início da década de 1970, era uma usina de inovações, alimentada por um grupo de excepcionais profissionais. Era uma redação que não tinha medo de ousar, de apresentar novidades, de incorporar ao dia-a-dia dos paulistanos coisas incomuns, sobretudo na prestação de serviços – item até então praticamente desconhecido de jornais e leitores.

Num dia qualquer, o então repórter Celso Kinjô chegou à redação e foi chamado pelo chefe de Reportagem Ulysses Alves de Souza, o Uru, que lhe pediu: “Hoje vai ser divulgada a relação de aprovados no vestibular da Faculdade de Direito São Francisco. Vá até lá e traga essa lista, que vamos publicar no jornal”. Kinjô tentou contestar que aquilo não era uma coisa de grande interesse jornalístico, mas foi vencido pela determinação de Uru em ter a tal lista e lá foi ele para o Largo São Francisco atrás dela. Tinha a vantagem de ser bem perto, já que naquela época o Grupo Estado ficava na rua Major Quedinho, no Centro de São Paulo, a poucas quadras da Faculdade.

Lá chegando, Kinjô procurou a Secretaria da Faculdade para pedir a lista (vale lembrar que naquele tempo não havia computador ou quaisquer dessas facilidades de reprodução que temos hoje). A atendente fez cara de estranhamento, mas disse que somente o secretário tinha autoridade para ceder a lista. Kinjô pediu para falar com ele. Daí a pouco chegou um senhor maginho, quase tão velho quanto as famosas arcadas da faculdade, a quem repetiu a solicitação.

– Não! – declarou o secretário com veemência.

– Posso saber a razão? – perguntou Kinjô.

– Ninguém, fora os próprios candidatos, tiem interesse nessa lista. E eles, como acontece todos os anos, vão passar pela Faculdade para ver a lista afixada no mural a fim de saber se foram ou não aprovados – sentenciou o secretário

Kinjô ainda argumentou com seu interlocutor de que estava ali cumprindo uma determinação do chefe de Reportagem, que não poderia voltar ao jornal de mãos abanando, que aquela era uma iniciativa nova do JT, de prestação de serviços aos seus leitores (muitos deles oriundos da própria Faculdade ou com filhos ali concorrendo a uma vaga), mas o velhinho se manteve irredutivel. A única coisa que conseguiu arrancar dele foi a seguinte frase:

– Se você quer a lista e o seu jornal exige isso de você, vá lá no pátio e copie! Eu não vou dar a você e ao seu jornal lista nenhuma! Não vou me prestar a ser co-responsável por uma coisa inútil!

Sem alternativa, lá foi Kinjô para o pátio, copiar a lista. Copiou um, dois, três, quatro nomes, mas quando chegou ao décimo desistiu. Eram cerca de 500. Nem que ficasse a tarde toda lá conseguiria, além de ter que datilografar tudo novamente quando chegasse ao jornal.

Voltou de mãos vazas, para inconformismo de Uru, que considerou aquela atitude de uma prepotência sem igual. Mas decidiu que, a partir dali, aquele seria de fato um serviço que o jornal prestaria aos seus leitores e à comunidade.

Tempos depois, o JT começou a publicar a relação de aprovados nos principais vestibulares do País, no que logo foi seguido por outros veículos, ganhando, com esse serviço, não só nas vendas avulsas de exemplares mas também publicidade de muitas escolas.

A coisa tá russa

Charge para o Jornalistas & Cia

Durante uma viagem que fez para Moscou ao lado de sua esposa, Heródoto Barbeiro, autossuficiente, recusou o guia que ia acompanhá-los pela cidade, pois “ele só vai mostrar os pontos turísticos, e a gente quer conhecer a alma do povo, a Moscou que o turista não vê”.

Diante do temor de Walquiria, sua esposa, de que não conseguissem voltar ao hotel, ele copiou diligentemente o que estava escrito na fachada, naquelas ininteligíveis letras do alfabeto cirílico, e com absoluta segurança guardou o papel no bolso.

O casal passeou livremente por Moscou, curtiu bastante e, na hora de voltar, entrou num táxi. Heródoto disse ao motorista que queria ir para o hotel e, triunfante, entregou o papelucho com as letras cuidadosamente desenhadas.

O motorista não entendeu, olhou o papel, sacudiu a cabeça e desandou a falar em russo, fluentemente – o que, por sinal, em Moscou, não é de espantar.

Montada a confusão, Heródoto irritando-se e apontando com insistência o papel, o motorista optou por deixar o carro com os dois lá dentro e voltou pouco depois, acompanhado de um taxista que falava  inglês. Este finalmente conseguiu explicar ao casal que não havia nome de hotel nenhum no papel, onde Heródoto escrevera em russo a seguinte frase: “O hotel está lotado, não há vagas”.
 

O Rei Ubu e o Príncipe

Charge para o Jornalistas & Cia

Em 1993, os brasileiros foram mobilizados para o plebiscito sobre Presidencialismo ou Parlamentarismo. Ao mesmo tempo, o País deveria responder se queria ou não a volta da Monarquia.

O príncipe Dom  Bertrand de Orleans e Bragança, Príncipe Imperial do Brasil, segundo na sucessão ao trono caso a monarquia fosse restaurada, visitava o estúdio da CBN.

Há poucos quilômetros da rádio, havia performance de atores e o diretor de teatro Cacá Rosset, na pele do personagem Pai Ubu, declarava-se rei e concedia a Jacinto Figueira Júnior, o Homem do Sapato Branco, do programa Aqui Agora, o nobre título de Marquês do SBT. Ao final da manifestação,Wagner Sugameli, agitador cultural e integrante do grupo de Cacá queria saber se era possível aos atores um contato com o príncipe. Não viram problemas, porque a proposta era discutir questões culturais com o representante da Casa Real Brasileira.

De repente, instalou-se o caos na redação e uma multidão quebrou a monotonia do ambiente. Cacá Rosset chegou com seu pessoal trazendo nas costas um imenso urubu negro. Uma bandinha tocava na porta da rádio e Sugameli, incorporando um “conde”, anunciava que o Rei Ubu exigia encontrar-se com o futuro rei do Brasil. Dom Bertrand, assustado, pedia, com toda elegância, que eu evitasse aquele constrangimento. Mauro Wu, assessor de imprensa do príncipe, desesperado, ia de um lado ao outro da redação, empunhando um guarda-chuva e gritando.

Wu, descendente de chineses, perdeu a calma oriental e, tomado de fúria, decidiu enfrentar a “corte” do Rei Ubu. Abriu o guarda-chuva para proteger o príncipe, naquele momento assediado pela “comitiva real ubusiana”, e tentou caminhar em direção à saída. O pessoal da segurança agiu rápido e o príncipe conseguiu sair discretamente pelas escadas, enquanto a confusão aumentava.

Enquanto Rei Ubu lamentava o frustrado “encontro diplomático entre dois chefes de Estado”, o furioso Mauro Wu permanecia atracado com o “conde”. O assessor tentava impedir que o “exército” do Rei Ubu acompanhasse os passos do príncipe. O “conde” Sugameli, vendo que não dava mais para ir ao encontro do visitante, começou a protestar contra a arbitrária interferência de Wu e aos berros dizia que o assessor estava abusando dele, um homem noivo, que não poderia ser apalpado. Foi a gota d’agua para que Mauro Wu o espremesse contra uma porta de vidro.

Com Dom  Bertrandd longe do “campo de batalha”, sobraram os “súditos” do Rei Ubu, correndo, agora, rumo à 1ª Delegacia de Polícia, onde registraram um boletim de ocorrência denunciando a “incompreensível” reação de um dos principais assessores do príncipe.