Estava há um bom tempo sem postar as charges do Jornalistas & Cia aqui. Seguem abaixo as mais recentes.
Não se reprima
Era o almoço de posse do presidente da Associação dos Jornalistas de Economia do Estado de São Paulo (Ajoesp). Almoço, bons vinhos, discursos. Lá pelas tantas, creio que o Teodoro Meissner foi à janela e viu uma multidão de adolescentes gritando tão alto que era possível ouvi-las no 28º andar do hotel. A razão da gritaria: os então famosos meninos do grupo musical Menudo estavam hospedados no Hilton.
Não deu outra: imediatamente alguns jornalistas presentes começaram a escrever nos guardanapos e agitá-los lá de cima como se fossemos os Menudos.. Meus amigos, o tumulto ficou descontrolado… Jogávamos guardanapos com TE AMO, I LOVE YOU e outras mensagens de amor. A cada guardanapo, gritos desesperados. O trânsito parou, pois as meninas invadiram as duas pistas da avenida. Precisou vir a polícia para acabar com a bagunça e liberar o trânsito. O discurso do Rocco foi ofuscado pelo Menudo.
Um repórter da TV Globo, se não me engano o Carlos Dornelles, virou-se para os “baderneiros” e alfinetou: “Mas quanta maldade…”.
Em busca da ossada perdida
Pela antiga Central de Polícia de São Paulo, um casarão da rua Roberto Simonsen, construído sobre a casa de taipa do bandeirante Gaspar de Godoy Moreira, passaram na década de 1960 nomes históricos da reportagem: Espaguete, Afanásio, Zaqueu Sofia, Wanderley Midei, Inajar de Souza e dois dinossauros famosos, Antonio Soares e Leonel, que se revezavam cobrindo pelo Estadão.
Anos depois de desativada a Central, Leonel contou que dela saía um túnel muito antigo, que presumivelmente no século XVI ligava a casa ao mosteiro de São Bento e que alguns policiais usavam para “amolecer” os presos pois, se espancados dentro do túnel, seus gritos não eram ouvidos na superfície. O túnel se explicava porque em 1562 a pequenina São Paulo quase foi destruída pelo ataque dos tamoios, aliados dos franceses de Villegaignon que tinham invadido o Rio de Janeiro, e alguns túneis faziam parte da defesa.
Essa velha história foi lembrada pelos pauteiros quando da perfuração do túnel da linha Norte-Sul do Metrô, no subsolo do Pátio do Colégio, mas a Companhia do Metrô não achou túnel algum. A lenda, porém, ficou na memória do reportariado e anos depois, quando o Metrô começou a trabalhar no vale do Anhangabaú, para fazer a Leste-Oeste e abrir a Estação da rua Formosa, a história foi modificada para mais um trote memorável.
Um foquinha do Estadão recebeu como pauta “driblar os engenheiros sacanas do Metrô”, que teriam topado com os ossos do padre Anchieta e caixões de vários bandeirantes ao perfurarem o solo. Como queriam era tocar a obra, o foca não deveria se impressionar com a negativa enfática dos engenheiros. Tudo o que precisava fazer era entrar correndo pelo túnel, ignorando as reclamações dos seguranças, e encontraria os “restos sagrados dos primeiros colonizadores de São Paulo”.
Antecipando o furo, o repórter se apresentou, ouviu a explicação lógica de “você está louco, meu, não tem nada aqui” e se mandou à toda para a boca do túnel, só não conseguindo entrar porque, devido à altura do lençol freático, o túnel era cavado sob pressurização e a boca só se abria de vez em quando, para a saída e entrada dos operários.
O coitado do foca, depois de solto (porque é claro que foi preso), desistiu da profissão, mas alguns coleguinhas não entenderam “o espírito da coisa” e acharam que o Estadão tinha achado um filão e que a notícia procedia.
Coube a Táta Gago Coutinho, que assessorava a então Secretaria de Vias Públicas, tourear os repórteres que queriam confirmar o encontro dos restos mortais dos bandeirantes. E é ela quem conta que, mesmo depois de provar que Anchieta morreu em Vitória, teve que chamar o elegantíssimo secretário Geraldo Borghetti, que acumulava a pasta e a Emurb, para explicar, muito sério, para repórteres extremamente desconfiados, que a São Paulo antiga não ia além de 500 metros do Pátio do Colégio e que o Anhangabau, então um brejo intransitável, nunca fora cemitério de ninguém. “Mas a história demorou a morrer”, conclui ela.
Escada Abaixo
Ali pelo final de 1964 Francisco Baker era repórter do Jornal do Brasil no Rio de Janeiro, fazendo um plantão diário entre 18h e 23 horas. Certa noite recebeu a incumbência de fazer o registro de uma homenagem ao governador Adhemar de Barros, de São Paulo, um banquete promovido pelo dono dos Diários Associados, Assis Chateaubriand, o Chatô. O motivo da homenagem era a participação de Adhemar no golpe militar de seis meses antes, que ainda contava com o apoio de praticamente toda a grande imprensa da época, à exceção da Última Hora de Samuel Wainer (e do Correio da Manhã do Rio, que primeiro apoiou e depois se arrependeu). Ao chegar ao local do regabofe, a sede da revista O Cruzeiro na rua do Lavradio, lá encontrou, com a mesma incumbência jornalística, seu ex-colega de faculdade Elio Gaspari, que era repórter da sucursal Rio do Diário de S.Paulo.
A cena era meio surrealista. O homenageado, corpulento mas com as faces rosadas, circulava pelo salão, ornamentado por folhagens e enormes frutas artificiais, na companhia do anfitrião, este em cadeira de rodas (consequência de um derrame), sem conseguir articular nenhuma palavra inteligível e vestido numa farda de coronel da PM da Minas, uma patente honorária que recebera tempos antes. Boa parte da plutocracia nacional se apinhava no local, pois O Cruzeiro ainda desfrutava de circulação expressiva e prestígio.
Elio acabara de ser expulso da Faculdade Nacional de Filosofia por razões políticas e iniciativa do diretor da Faculdade, Eremildo Luiz Vianna (não por coincidência, com o mesmo nome daquele personagem fictício que hoje frequenta as colunas do Elio). A matéria era insossa e o horário ingrato, de forma que combinamos passar o texto por telefone e aproveitar a boca-livre. Os dois descobriram um telefone ao lado do salão e fui o primeiro a passar a nota. Quando chegou a vez do Elio ele não se limitou aos dados do texto. Alguém da sucursal perguntou sobre a festa e ele não resistiu em exercitar sua costumeira ironia: “A decoração é tropicalista – informou ele –, isto aqui está cheio de cachos de banana e pencas de abacaxi. Mas como o Chatô não é bobo, mandou amarrar tudo no alto das colunas para que o pessoal do Adhemar não carregue para casa”. E continuou a fazer comentários no mesmo tom, evocando a antiga reputação do governador paulista, conhecido como aquele que “rouba mas faz”.
Um sujeito que estava ao lado ouvindo a conversa teve então uma explosão de indignação e começou a desacatar o Elio sem sequer esperar que ele saísse do telefone. “Seu moleque, cafajeste, você não pode falar desse jeito”. Resolvi sair em defesa do meu colega e argumentei com o sujeito que não tinha porque se meter numa conversa telefônica privada. Para surpresa de Baker, o Elio encerrou o assunto rápido e me puxou pelo braço. “Deixa isso pra lá, vamos sair daqui”. Enquanto outras pessoas tiravam o indignado por um lado, eles sairam por outro e o Elio se lembrava de uma obviedade que lhes escapara: “Você se esqueceu de que o meu jornal é parte dos Associados? Se o cara descobrir quem eu sou vai se queixar e eu estou na rua. Não posso perder esse emprego”.
Apesar do incidente, e como estavam com fome, voltaram ao banquete. Mal iniciaram a salada quando viram que o sujeito da altercação, um assessor do Adhemar, no outro extremo do salão, os apontava e gesticulava agitado para uns dois ou três sujeitos com físico do porte guarda roupa. Ali mesmo interromperam a boca-livre e seprecipitaram escada abaixo – o Elio achou que o elevador poderia ser uma escolha fatal – e só pararam de correr quando estavam na rua do Lavradio, a dois quarteirões de distância da sede de O Cruzeiro.
Que banquete, que nada! Naquele início de tempos bicudos, que ainda iam durar 20 anos, o lugar mais seguro era a redação.