O telefonema de PC Farias

Charge para o Jornalistas & Cia

PC Farias

Quem narra a história de hoje é Celso Freitas.

Em um belo dia, o sujeito mais procurado do País ligou para a redação da CBN, a rádio ainda no começo de suas atividades. O sombra do governo Collor, que estava atolado num mar de corrupção, comandado por ele, PC Farias. A Polícia Federal, a Interpol, todo o aparato de caça a criminosos estava atrás dele. E ele ali, pronto para dar uma entrevista à CBN e se defender.

A produtora Elaine Gomes quase teve um infarte,  mas reforçou o eixo e acelerou forte. Correu para o estúdio, avisou o apresentador de plantão naquele sábado que o homem estava na linha. Todo mundo se encheu de adrenalina. O apresentador tremeu na base. O manda-chuva da República de Alagoas estava ali, à mão. Era só perguntar.

O apresentador puxou o fôlego, mandou o sonoplasta abrir microfones e foi fundo. A entrevista fluiu bem, PC Farias respondeu o que lhe foi perguntado, simpático como convém a todo fugitivo.

Nem bem terminara a entrevista, o repórter Edison de Castro começa a questionar a produtora se aquele sujeito que falara em nome de PC Farias não seria um impostor. Elaine, então, se deu conta do perigo que corria. O rosto na hora virou um pimentão, o sangue subiu em segundos, o tom de voz baixou.

– Será, Edison? É a voz dele. Eu tenho certeza. Olha o sotaque alagoano!

E o Edison jogou mais lenha na fogueira:

– Ué, pode ser um outro nordestino, fazendo a voz do PC… E a essa altura a Polícia Federal deve ter monitorado toda a entrevista. Se for um impostor, vai dar um rolo danado. Não quero nem estar aqui na segunda-feira!

– Oh, Edison, não estraga, vai!

A CBN no começo, um fiasco daqueles jogaria toda a credibilidade da emissora no lixo. A temperatura subiu ao limite máximo em toda a equipe, que cumpria aquele plantão de um sábado até ali modorrento. E aí, é ou não é o PC? Elaine murchou, foi no bebedouro, pegou um copo d’água gelada. Tomou, repetiu a dose, lançou um olhar perdido para o chão. Responsável, cumpridora de horários e tarefas, exigente consigo mesma, era uma produtora tida pela equipe como das mais eficientes. Não merecia dançar por uma fatalidade daquelas.

O apresentador continuava firme, tocando a programação, mas o tom de voz já não era tão enfático, como fora na entrevista com o PC. Ele também sentiu a barra naquela dúvida. Sobraria para ele também? Claro, foi ele quem fez a entrevista. Para o ouvinte, toda a culpa era dele.

Não havia, ainda, internet naquele começo de anos 90. Só no dia seguinte é que se saberia o resultado daquela iniciativa, quando os jornais chegariam às bancas. Claro, Folha, Estadão, Veja, iam repercutir aquela entrevista que todos perseguiam e que fora dada à novata CBN.

Batata! No domingo a edição de Veja trouxe trechos da conversa, dando como verdadeira a entrevista, com repercussões entre pessoas que tinham ligação com a busca do fugitivo e também com a defesa dele. Na CBN, o domingão foi de comemoração pura, com direito a repeteco da gravação e também repercussão.

A Rainha

 Charge para o Jornalistas & Cia

A Rainha

A história dessa semana é narrada por Antonio Epifânio Moura Reis que relembra a visita oficial da Rainha Elizabeth II ao Brasil na época da ditadura, em  1968.

A CBF organizou especialmente para esta visita um jogo no Maracanã entre as seleções do Rio de Janeiro e de São Paulo. O “Jogo da Rainha” que contaria com o Rei Pelé em campo. O estádio lotou e ovacionou Vossa Majestade que, ao terminar a partida, entregaria na Tribuna de Honra uma medalha ao time perdedor e uma taça ao time vencedor. Começou então o tradicional empurra-empurra entre fotógrafos, seguidos de gritos após a chegada dos jogadores, do então presidente da CBF João Havelange carregando a imensa taça e de vários políticos,  entre os quais o chanceler Magalhães Pinto.
– Rainha, dona rainha! Por favor, olha pra cá! – gritava uma das alas de fotógrafos, em meio aos cliques característicos.
– Pelé, Pelé! Fica do lado da rainha! – gritava outro grupo, nervoso.
– Sai da frente, ô de gravata! Sai da frente, “seu” Pinto! – berrava a ala que herdou o pior ângulo.
Nas arquibancadas, a multidão acompanhava a gritaria dos fotógrafos em relativo silêncio. Diplomatas e Jacinto pediam calma,  inutilmente, sob olhares raivosos dos engravatados. A rainha passou a conversar com Pelé. Os fotógrafos, então, se uniram num só coro:
– Havelange, entrega a taça pra rainha, entrega a taça pra rainha!
O alto e atlético presidente da então CBD estendeu a bonita taça prateada para Sua Majestade, que demonstrou o peso da peça, pois
deu um passo para trás, quase cambaleando.
– Rainha, dona rainha! Entrega a taça pra Pelé! – ecoou o grito dos fotógrafos, sempre em meio aos cliques característicos.
E quando Pelé estendeu as mãos para receber o troféu, o fez sob novo e mais forte coro dos fotógrafos:
– Havelange, Havelange! Tira “seu” Pinto da frente!
“Seu” Pinto não apareceu nas fotos de primeira página dos vespertinos do dia seguinte e dos matutinos da terça-feira. Todas
exibiram, de diferentes ângulos, a rainha, Pelé e a taça prateada, confeccionada em Lisboa, segundo Havelange, especialmente para
a ocasião.

Um pedaço de papel

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A história dessa semana é de Moacir Assunção, que nos conta da época em que trabalhou no caderno Cidades do extinto Diário Popular (hoje Diário de S.P.).

Moacir foi cobrir a história de um grupo de pessoas da favela sob a ponte de Vila Maria que estavam “alojados” precariamente em um espaço cultural do Conjunto Habitacional José Bonifácio.

Desceu do carro da reportagem e foi abordado por um senhor grisalho de traços nordestinos: “Moacir, você veio, eu tinha certeza de que você vinha ajudar a gente. O pessoal do Estadão e da Folha não adianta chamar que eles não vêm de jeito nenhum, mas vocês do Diário aparecem sempre”. Espantado, Moacir perguntou se o senhor o conhecia e ele respondeu que foi ele quem havia ligado para o jornale, pois havia guardado o telefone dele em um pedacinho de papel, já amarrotado e com a tinta gasta, da última vez em que ele estivera no local.

Emocionado, Moacir constatou a situação precária daqueles cidadãos e fez uma matéria denunciando o cruel descaso. Não saiu nada nos jornais concorrentes, mas a matéria teve boa repercussão nas rádios e dois dias depois saiu algo nos outros veículos diários.  Pressionada, a Prefeitura resolveu, dias mais tarde, retirar aquelas pessoas dali e arrumar outro lugar com um mínimo de dignidade para elas se instalarem.

Bom jornalismo pode ajudar.

Certa vez, no Diário…

Charge para o Jornalistas & Cia

História enviada pelo Milton Saldanha sobre a época em que trabalhou no Diário do Grande ABC.

Aconteceu durante a edição do extra especial de cobertura do final da Copa do Mundo de 1970, no México. Foi a primeira vez em que a tevê transmitiu a Copa ao vivo. A transmissão por satélite era uma novidade. O Brasil tinha um time invencível e era franco favorito. A equipe do Diário do Grande ABC resolveu soltar uma edição extra. A idéia era lançar o jornal pronto, nas mãos de um batalhão de jornaleiros, meia hora após o fim do jogo, no máximo. Os moleques, mais de cem, iriam com os jornais nos braços para os burburinhos dos festejos nas ruas. Durante a semana inteira fizeram o jornal, com matérias retrospectivas etc.. Na capa pré-montaram um jogador erguendo a taça. E montaram até o texto da matéria de capa, que já tinha manchete pronta, com buracos para detalhes do jogo, resultados etc.. Ou seja, em menos de dez minutos a finalizariam tudo, baixariam para a oficina, que já tinha o jornal todo pronto, faltando só a capa, e… Seria um sucesso!

Ah, e teriam fotos do jogo, dos gols, em primeira mão. O fotógrafo da equipe, Pedro Martinelli, colocou um tripé na frente da tevê e fez as fotos dali mesmo. Reveladas e ampliadas, pareciam radiofotos, muito usadas na época. Quebravam o galho perfeitamente. Durante a semana ele havia feito testes, avaliando os resultados, estudando o melhor ajuste da máquina, tudo. A redação toda em volta, torcendo, gritando, e o Pedro ali, clicando e também torcendo.

Quando o jogo acabou, o batalhão de jornaleiros estava na porta da oficina, aguardando. Mal o juiz apitou e mergulharam nas velhas Olivetti, teclando com fúria. Todo mundo correndo, parecia fechamento de jornal em tevê. Até o boy estava instruído a seguir correndo para a oficina, no sentido literal, com a lauda do texto.

Alguém imagina o que aconteceu?

A luz apagou geral no bairro. Ficaram sem energia. Desesperados, e sem energia para mover as possantes linotipos, o chumbão, como eram chamadas.

Todo aquele esforço de uma semana, toda aquela correria, tremendo esquema de mobilizar jornaleiros numa época em que isso não existia mais, as vendas eram em bancas, muita adrenalina para… Sermos derrotados por um pedaço de fio.

A luz demorou quase uma hora para voltar. E ainda faltava rodar a capa. Não adiantou ligar desesperadamente para a Cia. de Força. O jornal foi para as ruas, mas sem o impacto dos primeiros minutos, para surpreender o povo, como haviam planejado nos mínimos detalhes.

A nova moda em Portugal

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Luiz Roberto de Souza Queiroz, o Bebeto, narra mais uma história, desta vez sobre a época em que trabalhou no Estadão:

“O maior mico que já passei foi na rua do Ouro, em Lisboa, quando descobri que cinco escargots subiam pelo meu paletó, carregando as conchas nas costas e deixando um rastro de gosma brilhante no tecido.

A história vem à mente por causa do Wanderley Midei, que contou na comunidade eXtadão do Facebook que quando foi a Itapecerica da Serra comprar um sítio para criar chinchilas acabou cobrindo a descoberta de uns garotos que pintavam um caminhão com as cores do Exército para o Lamarca [Carlos], que dias depois fugiu com vários fuzis do 4º RI de Quitaúna e se tornou guerrilheiro. A notícia valeu, mas a criação de chinchila não deu certo e nem daria, porque o bicho é complicado, toma banho de talco ou de pó de calcário, não lembro bem.

O relato me lembrou da criação de coelhos que Táta [Gago Coutinho] e eu mantivemos em Mairinque. Chegamos a oito mil coelhos, nos matávamos de trabalhar, era dureza vender os bichos para a Merenda Escolar, as professoras tinham que dizer que era frango ou os alunos não comiam de pena dos bichinhos, era preciso vender as patinhas em formol para o pessoal de Aparecida fazer chaveirinho e o mercado dos coelhos era praticamente um monopólio do Nagi Nahas, por meio da empresa Seleta, com as consequências esperadas.

A Adelia Lopes lembrou, também no eXtadão, que gastou um dinheirão em galinhas “em sociedade com um sujeito que disse entender do assunto; na primeira semana, mil ovos apodreceram; na segunda, gastei uma grana com ventiladores para os poleiros, pois o calor estava matando as galinhas em penca e ia comprar uma revista especializada, mas não deu tempo, porque o sócio sumiu”.

O mico em Lisboa, porém, não teve maiores consequências. Um repórter da Sala de Imprensa da Prefeitura de São Paulo me convenceu a criar escargots, que não existiam no Brasil, e fomos incentivados pelo chefe de reportagem do Estadão José Natal Sartoreto.

Indo a Vouzela, nas montanhas ao Leste do Porto, em Portugal, fiquei encantado com os caracóis nativos que se banqueteavam numa horta de alface e não hesitei: enfiei meia dúzia no bolso. Devia bastar, pensei, pois afinal o molusco é hermafrodita, se enraba a si mesmo, dizia o manual que comprei (não exatamente nesses termos).

O problema é que, em Lisboa, eles migraram do bolso do paletó para a lapela. Passei por americano louco, circulando na área mais chique com aqueles adendos pendurados, mas não desisti.

Os escargots chegaram a São Paulo, onde acabaram comidos por um bem-te-vi, dentro do cercadinho que bolei para eles e onde nunca se reproduziram. Acho que não tinham tesão por si próprios, certamente um problema de carência de autoestima, que Freud explica.”

Nem tudo é verdade

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A história desta semana é uma colaboração de Wanderley Midei, confiram:

“Numa redação como eu as conheci, nem sempre a seriedade está de plantão. Muitas vezes surgem brincadeiras entre colegas ou até alguns trotes passados pelos veteranos para os focas. Quem, da minha época, não se lembra, ou não passou, ou não foi gozado, com a calandra? Era praxe. Foca na redação tinha que ir buscar a calandra. E, às vezes, o chefe da gráfica mandava o novato voltar para a redação e perguntar se era macho ou fêmea… Enquanto isso, a redação ria às escondidas…

Uma vez, eu era editor de Polícia do Estadão, fechamento bravo, todo mundo envolvido. O deadline era severo. De repente, ligo para o jornalista recém-importado de outro Estado, que coordenava as sucursais e correspondentes, e digo que recebi um telefonema dos bombeiros revelando que tinha chovido muito no Litoral Norte e que Ilhabela estava totalmente isolada do continente. “Só se chega de barco lá”, informei, como se fosse um informe passado pela “minha fonte” nos bombeiros.

Era mais de meia-noite. O jornalista-coordenador imediatamente ligou para a casa da nossa Regional no Litoral Norte, provavelmente acordou-a e passou a informação.

Ela não pensou duas vezes. Respondeu: “Mas é claro que só se chega de barco. Ilhabela é uma ilha no oceano…”.

Ninguém riu na redação. Mas todos os olhares estavam dirigidos para a mesa do jornalista-coordenador.

Ele havia recebido seu batismo, embora já fosse veterano na profissão. E agora também já sabia onde ficava Ilhabela.

Minha mãe foi solenemente lembrada pelo colega naquele final de fechamento. Aí sim, todo mundo riu.”

O conselho de Vicente Leporace

Charge para o Jornalistas & Cia

O dono de um jornal de uma cidade do interior paulista ficou mais triste que político sem mandato depois de constatar uma queda brutal na circulação. O jornal ia de mal a mal mesmo, pior que o Ibope do Obama. Como naquela época ainda não havia o Sebrae, ele decidiu pedir conselhos a um jornalista tarimbado para tentar tirar o jornal do buraco. Escreveu uma carta a Vicente Leporace, apresentador do antológico programa O Trabuco na Rádio Bandeirantes, onde trabalhou nas décadas de 1960 e 70. Leporace, que também foi ator e atuou em dois filmes do Mazzaroppi – Sai da frente e Nadando em dinheiro –, era ouvidíssimo, principalmente em São Paulo.

Durante uma hora, Leporace, com sua voz tonitruante, comentava as notícias dos jornais ou, como dizia a vinheta do programa, “dava um tiro nos assuntos nacionais”, ora com grossa, ora com fina ironia. Um de seus alvos prediletos era o então ministro do Planeja Aumento, quer dizer, Planejamento, Roberto Campos, que os jornalistas não amestrados chamavam de Bob Fields. Eles protagonizaram um arranca-rabo no ar e, salvo engano, Leporace teve dificuldades ao tentar encostar o ministro na parede.

Mas do que é que eu falava mesmo? Devo confessar que na estreia, aqui, estou mais perdido do que a oposição no Brasil ou, se me permitem outro exemplo comparativo, estou mais perdido do que o time do Santos no jogo contra o Barcelona. Ah, sim, já me lembrei: o degas (essa é nova) aqui falava do dono do jornal que escreveu uma carta a Leporace narrando seu drama financeiro tintim por tintim ou tantã por tantã, como disse um locutor de FM. Como foi dito, ele resolveu se aconselhar com o apresentador de O Trabuco, que leu a carta no ar. “O que devo fazer para aumentar a circulação, seu Leporace?”, perguntou. Ao que Leporace, após dar uma pigarreada, aconselhou: “Faça um jornal redondo”.

E mais não disse nem lhe foi perguntado.

Um vôo que não deixou saudades

Charge para o Jornalistas & Cia

O jovem do interior que viera para a capital em busca de trabalho, de melhoria na vida, empregou-se no Estadão e passou por alguns setores até se fixar na redação, na editoria de Cidades – ou reportagem geral, como era conhecida. Homem sério, cristão devoto, frequentador de uma igreja evangélica, lia todas as manhãs o Notícias Populares, que sempre trazia estampada em sua capa a foto de uma mulher de biquini. Se dissessem a ele que estava levando o jornal para o banheiro por causa da peladona, ele logo retrucava e negava. Dizia gostar de notícias de crime. Mas a leitura do NP no banheiro era diária.

As histórias do jovem eram muitas. Numa delas percorreu as três agências bancárias da cidade onde morara levando com dificuldade um pacote em que pensava haver documentos. Na verdade, eram tijolos. Uma gozação de seus colegas de trabalho com todos os office-boys que começavam a trabalhar. Na redação do Estadão conheceu um jornalista do Jornal da Tarde, Lenildo Tabosa Pessoa, já falecido. Homem também cristão, mas ligado à igreja católica. Nas conversas que os dois tinham, o jovem do interior ficou sabendo que o colega do JT era piloto e tinha um pequeno avião no Campo de Marte. Como nunca tinha voado e nem passava por seus pensamentos um dia entrar num avião, o jovem se animou. Afinal, naquela época, avião era para quem tinha dinheiro. Mal sabia ele que anos depois cansaria de voar a serviço, em outro local de trabalho.

As conversas sobre aviação prosperaram até que num determinado dia o piloto-jornalista do JT fez o convite para que o jovem fizesse com ele um voo. Marcaram para a manhã de um sábado. Era dia de ir à igreja, mas o convite de voar falou mais alto. E os dois se encontraram no Campo de Marte, não muito distante do Estadão, para o que seria o batismo do repórter na aviação.

Motor ligado, cinto colocado, o piloto perguntou se estava tudo bem e ao sinal de positivo a pequena aeronave ganhou os ares. Quando o avião atingiu determinada altura, assustado, o jovem começou a pensar o que é que estava fazendo naquele lugar. Fechou os olhos por instantes e decidiu que era sua grande oportunidade de voar. Acalmou-se até que o piloto resolveu brincar e disse que iria fazer um voo cego. Embicou a aeronave, subiu o mais que pôde e ao descer desligou o motor.

O jovem se arrependeu de ter entrado naquele pequeno avião. Gritou, agarrou-se como pôde e entregou a vida a Deus. Quando o avião aterrissou, parecia um sonho estar em terra firme. E prometeu: voar naquelas condições, nunca mais. O que para ele seria um passeio naquela manhã de sábado, virou gozação por alguns meses, porque o piloto contou uma parte aos colegas e o próprio jovem contou o resto.

Nunca mais o jovem do interior aceitou convite do colega do JT para dar “uma voadinha sobre São Paulo”. Segundo ele, quando o avião começou a descer com o motor desligado pensou que nunca mais veria sua mulher e os dois filhos. Ficou uns bons anos sem pensar em voar.

Esses selvagens…

Charge para o Jornalistas & Cia

A história desta vez é novamente uma colaboração de Luiz Roberto de Souza Queiroz, o Bebeto.

Na década de 1970, Bebeto foi à Europa com o editor de Educação do Estadão Eduardo Brito da Cunha e sua futura esposa, cujo pai, controlador, lhes deu muito trabalho, pois só autorizou a viagem da menina quando mentiram, disseram que iam num grande grupo turístico, inclusive casais idosos, e que não havia risco de qualquer esbórnia, como temia o genitor da garota.

De medo do pai, assim que chegaram a Londres, Paris, Roma ou Lisboa, a primeira providência era procurar um grupo de turistas no meio do qual a garota e o Brito se infiltravam de imediato para que eu os fotografasse. O velho nunca desconfiou de que viajaram em petit comité e, ingênuo, não estranhou que de vez em quando o grupo turístico fosse integrado apenas por japoneses, mais o Brito e a namorada, ou por suecos loiríssimos e até, se bem me lembro, moçambicanos retintos.

No meio da viagem tomaram na Itália um trem vindo da Alemanha, saído diretamente de um dos contos de Agatha Christie. Hércule Poirot não estava nele, mas havia pequenas cabines com poltronas vis-à-vis e numa delas tiveram direito à companhia de um inglês típico, guarda-chuva e chapéu coco, que se confessou impressionadíssimo por encontrar brasileiros que falavam sua língua, não estavam armados de arco e flecha nem tinham nenhuma cicatriz de lutas com antas ou sucuris.

Depois de explicar ao inglês, desconfiado, que não havia cobras nem onças nas ruas de São Paulo, que contávamos com amplo parque industrial, andávamos de automóvel e que – supremo indício de civilização – contávamos até com congestionamentos, o inglês começou a se achar preconceituoso e que fizera imagem errada e estereotipada do Brasil, como jungle apenas.

A essa altura, Brito resolveu ir ao banheiro, onde o papel higiênico tinha impressa em cada folha o aviso bem alemão de que aquilo era propriedade do governo.

Entusiasmado, voltou à cabine sacudindo uma tira de meio metro do papel higiênico na mão e rindo, exibiu o que estava escrito: “Bundestag….” sei lá o quê. Ele, que jamais perdeu uma piada, dobrava-se de rir e explicava que “Bundestag propriety ou sei lá o quê” queria dizer “Papel de bunda alemão”.

Todo mundo riu muito – but the English gentleman. O papel passou de mão em mão para ser examinado, enquanto o inglês, espantadíssimo, aguardava uma explicação. Bebeto até tentou, mas não dava para traduzir a piada, principalmente porque à época ele era quase monoglota e o inglês, muitíssimo mal impressionado por saber que os brasileiros achavam incrível alguém usar papel no banheiro, pediu desculpas e se escafedeu.