Chuta que é macumba!

Charge para o Jornalistas & Cia

Era meados de 1984 e delegações de jornalistas do interior de São Paulo participavam em Presidente Prudente do tradicional encontro anual organizado pelo Sindicato dos Jornalistas, à época dirigido por Gabriel Romeiro, que era, como é até hoje, do Globo Rural. Daquela diretoria participavam Luís Nassif, Joelmir Beting, Juarez Soares, José Paulo Kupfer, Vicente Alessi Filho, Fátima Turci, Samuel Iavelberg, Mara Ziravello, Sérgio Sister e Paulo Ribeiro, entre outros. A oposição havia vencido as eleições para o Sindicato, sob a bandeira da CUT, numa dura disputa contra a chapa de situação liderada por Almyr Gajardoni (hoje na Imprensa Oficial do Estado de São Paulo), que teve o apoio de nomes como Audálio Dantas, Lu Fernandes e muitos outros colegas.

Aquele era, salvo engano, o primeiro encontro do interior organizado por aquela diretoria e estavam todos com fôlego novo e muita disposição para fazer um trabalho que justificasse os votos recebidos da categoria. O encontro estava superconcorrido e foi prestigiado por alguns diretores e também pelo então presidente da Fenaj, Armando Rollemberg.

Depois de tensos debates, as noites serviam para relaxar. Numa delas, num dos bares da cidade, reuniu-se numa mesa um pequeno grupo, entre os quais estava Laila, uma jovem recém-formada que morava em São José dos Campos e ali estava muito mais para aprender e conhecer pessoas do que propriamente para participar dos debates. O grupo começou a inventar histórias e quanto mais inverossímeis a história, mais eles a aumentavam. Foi quando chegou à mesa Júlio de Grammont (já falecido) e pôs ainda mais tempero nas histórias, para deleite geral.

Laila, na sua ingenuidade, não entendia porque riam tanto, mas em nenhum momento deu pinta de que achasse tudo aquilo mentira. Fazia como os “escadas” para os humoristas, dando corda para que as histórias ficassem sempre mais engraçadas. De nossa parte, além das brincadeiras, queriam atraí-la para a sua base, evitando que pudesse ser eleitora da oposição.

A história que mais deixou Laila atônita foi iniciada por Julinho (um impressionante cara-de-pau e exímio contador de causos) e complementada aqui e ali pelos outros integrantes da mesa. Versava sobre as “verdadeiras” razões da vitória nas eleições sindicais.

Disse ele: “Laila, não fomos nós que ganhamos as eleições, mas eles que perderam. Nós sabíamos que seria muito difícil, pra não dizer impossível, ganhar. Sem chances, decidimos apelar para o sobrenatural e encomendamos uma macumba das bravas para ajudar o nosso lado e prejudicar o lado deles. Numa sexta-feira, 13, lá fomos todos nós para uma encruzilhada, com muita cachaça, charutos, fitinhas, bonequinhos representando a oposição espetados e um frango preto, para sacrificar à meia-noite”.

Laila: “Credo em cruz, isso não pode ser verdade! Quer dizer que vocês ganharam por causa da macumba?”.

Julinho, tentando manter a seriedade, no meio de um turbilhão de gargalhadas, passou a palavra ao Paulão Ribeiro, que emendou, sem nada ter sido combinado: “Não, Laila, na verdade fizemos o despacho para ganhar as eleições, mas as entidades nos disseram que nem com reza brava ganharíamos. Que era para nos conformarmos e nos prepararmos para os próximos anos”.

Laila: “Isso só pode ser brincadeira. Estão querendo tirar uma com a minha cara!!! Se nem a macumba resolvia, o que é que aconteceu afinal?”.

Aí entrou em cena o Vasco: “Sabe, menina, viramos o jogo por acaso. Foi obra do além. Só pode ter sido. Algum espião, que até hoje não sabemos quem é, foi bater para os caras da situação que nós havíamos feito esse despacho para derrotá-los e aí eles enlouqueceram”.

Laila: “Eu não acredito numa coisa dessas!!!”.

Vasco: “Espera um pouquinho, eu não acabei a história. Isso foi ainda naquela mesma madrugada e quando eles souberam da macumba mobilizaram o Almyr Gajardoni, o Audálio Dantas e outros colegas da chapa de situação e foram imediatamente para o local da encruzilhada. Não prestou. Foi um arraso. Era o Audálio chutando o frango, o Almyr despedaçando os charutos, a Lu quebrando enlouquecida as garrafas de cachaça… Quando fomos lá, no dia seguinte, para conferir (porque também tínhamos a nossa contraespionagem) dava até dó de ver penas, cacos e tabaco para todo lado. Parecia a guerra do Vietnã em plena capital paulista. Aí pensamos: se havia alguma esperança de ganhar a eleição, ela se acabava ali, para nossa desgraça”.

Laila: “Gente, não acredito. O Audálio chutando frango, a Lu …”.

Aí novamente entrou em cena o cinismo bem-humorado do Julinho, para arrematar: “A eleição estava perdida para nós, Laila, com macumba e tudo. Mas aí veio a ajuda divina. Revoltados com a agressão, as entidades decidiram agir em nosso favor e viraram a eleição”.

Laila: “Alto lá, companheiro!! Isso não pode ser coisa de jornalista!”.

Julinho: “Tanto pode que hoje estamos aqui, são e salvos, realizando esse encontro e conversando com você. E se aqui estamos, devemos aos chutes e tapas dados no nosso humilde despacho por Almyr, Audálio, Lu e companhia. Eles desafiaram o sobrenatural e pagaram caro por isso”.

Nunca foi desmentida essa história, que rendeu gargalhadas por um bom tempo, praticamente durante todo o mandato de Gabriel – que, aliás, nem tomou conhecimento do episódio. Mas Laila, sóbria no dia seguinte, também não deve ter se lembrado de nada. Ou, se lembrou, deve ter dado boas gargalhadas com tanto besteirol.

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