Charge para o Jornalistas & Cia
O Brasil é campeão mundial de redução do número de fumantes. Em uma década, 30% dos viciados abandonaram o cigarro, resultado único no mundo. O inusitado é que a responsável pela campanha vitoriosa, a cardiologista Jaqueline Issa, do Instituto do Coração, atribui o resultado – que se mede em milhares de vidas poupadas em infartos que não ocorreram e câncer do pulmão evitados – ao trabalho de assessoria de imprensa.
Na entrevista que me deu, num frila para a revista da Sociedade de Cardiologia, ela não escondeu os nomes: “O sucesso da campanha contra o cigarro foi conseguido pelo André Aron, que era assessor de imprensa da Secretaria da Saúde, pelo Flávio Tiné, do Hospital das Clínicas, e pela Rita Amorim, até hoje assessora de imprensa do Incor.
A ligação de Jaqueline com o problema do fumo começou com o infarto de sua mãe, aos 38 anos, devido ao cigarro, e culminou com a indicação para assumir a área de Tabagismo do Grupo de Qualidade de Vida do Incor.
“Quando eu soube que a Organização Mundial da Saúde tinha um dia temático voltado para o combate ao fumo, escrevi pedindo apoio”. E, para sua surpresa, junto com os gráficos e tabelas sobre incidência de doenças causadas pelo fumo, recebeu na primeira remessa um vídeo de um repórter da CNN que explicava a importância da imprensa, mostrava como fazer textos ao alcance do público leigo e como aproveitar o poder da mídia.
A dra. Jaqueline diz que levou a sério a indicação, procurou os assessores de imprensa do setor da Saúde, pediu que começassem a fazer releases, passou a acordar de madrugada para entrevistas sobre o cigarro no Bom Dia São Paulo, da TV Globo, por exemplo, a atender a pedidos de rádios para entrevistas presenciais e por telefone, e acabou virando “figurinha fácil” nos jornais e emissoras, conheceu todos os âncoras e criou muitas amizades. Ela diz que foi a exposição na mídia que acabou resultando na legislação restritiva ao fumo, que começou com uma lei do então ministro Adib Jatene, passou pela proibição do cigarro em restaurantes, depois shoppings, até que leis municipais passaram a pipocar em dezenas de municípios, propostas por políticos que, diz ela, “sentiram que o combate ao cigarro lhes dava visibilidade positiva junto à população”.
Hoje, 15 anos depois, a médica incorporou o jargão das redações, fala com desenvoltura em pauta, furo, exclusiva, matéria derrubada e não esquece a dívida para com os jornalistas que, para ela, continuam seu trabalho muitas vezes anônimo, sem nem imaginarem que há muito ex-fumante que só continua vivo por causa das matérias e da campanha que eles divulgaram.
O trio ao qual ela credita o sucesso continua na ativa. André Aron está na Original123, de assessoria de imprensa. Flávio Tiné ainda trabalha com saúde, pois organiza um fórum na Universidade Aberta para o Envelhecimento Saudável e acaba de ter duas vitórias: foi anistiado por perder dois empregos na época da ditadura, na Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Recife e na Última Hora, e acaba de ser reintegrado no Hospital das Clínicas, de onde foi demitido em 2004 porque continuava trabalhando, apesar de receber aposentadoria do INSS. “O TST mandou que me pagassem a multa de 40% do FGTS e os anos trabalhados”, diz ele, que, é claro, ainda não recebeu a grana, mas continua esperançoso.
Quanto a Rita Amorim, não há pauteiro que não receba diariamente e, às vezes mais de uma vez por dia, os releases e as pautas vindas pelo conhecido e-mail rita.amorim@incor.usp.br.
Coloco, aqui, o mesmo comentário que fiz no blog do Nassif.
O papel da imprensa brasileira na “guerra contra o tabaco” não difere do da imprensa mundial. Qualquer notícia, por mais absurda que seja, sobre os males do tabaco recebe destaque. Críticas ao lobby antitabagista, principalmente no concernente às suas relações com a indústria farmacêutica, são evitadas. O argumento de que o jornal tem uma “responsabilidade social” justifica a autocensura, e o público, o próprio assinante do jornal, é tratado como criança: cabe ao jornal decidir que informação ele está preparado para ler. Esse comportamento, é claro não se restringe à imprensa. Há muito o que dizer sobre a área acadêmica, mas isso fica para outra ocasião.
Um dos exemplo mais notáveis foi a divulgação dos “milagres” de Helena, de Bowling Green, de Pueblo, de Piedmont e outros. Para quem não se lembra, esses “milagres” foram as súbitas quedas de internações por problemas cardíacos que ocorreram logo após a proibição do fumo em recintos fechados (bares, etc.). Os números eram impressionantes: reduções de 17% e até de 40%. Quantas vidas salvas! Esses trabalhos “científicos” ganharam o aval de revistas de prestígio como Circulation e British Medical Journal. Antes mesmo, porém, da publicação dos artigos nos journals especializados, a imprensa deu-lhes destaque acrítico. No entanto, não era necessário ser especialista para duvidar desses resultados. Para o leigo, o simples bom senso já revelava a implausibilidade da tese; mas plausibilidade não é, evidentemente, um critério para descartar a investigação, principalmente porque parecem existir razões na literatura para considerar a possibilidade de efeitos benéficos de longo prazo.
Poder-se-ia pensar que, por envolver questões médicas, os jornalistas e editores de área de ciência se sentissem desconfortáveis para efetuar uma avaliação crítica dessas notícias. Na verdade, todos os que se interessam por esses tema sabiam que eram estudos epidemiológicos, ou seja, estudos estatísticos (creio que a maioria dos leitores do blog do Nassif, por terem formação em economia ou em outras disciplinas que usam abundantemente a estatística, estão mais preparados para avaliar esses trabalhos do que a maior parte das pessoas que trabalham na área médica).
Basicamente, esses estudos trabalhavam com populações extremamente pequenas e/ou adotavam critérios de estratificação das populações altamente questionáveis. Por exemplo, o trabalho sobre Helena (Montana) considerava apenas 304 ataques cardíacos no período de seis meses. No trabalho de Piedmont, o aumento da internações dos maiores de 60 anos que ocorreu após a proibição, foi desconsiderado simplesmente restringindo-se a estatística divulgada à população com menos de 60.
Era evidente que, mais cedo ou mais tarde, outros trabalhos mostrariam resultados diferentes, por maior que fosse a pressão contra a divulgação de pesquisas que não apresentassem os “resultados desejados”. E assim foi: Changes in U.S. hospitalization and mortality rates following smoking bans considerou uma amostra gigantesca de âmbito nacional (o artigo está disponível on-line no Journal of Policy Analysis and Management). O resultado foi: “We find no evidence that legislated U.S. smoking bans were associated with short-term reductions in hospital admissions for acute myocardial infarction or other diseases in the elderly, children, or working-age adults. (…) We show that there is wide year-to-year variation in myocardial infarction death and admission rates even in large regions such as counties and hospital catchment areas. Comparisons of small samples (which represent subsamples of our data and are similar to the samples used in the previous published literature) might have led to atypical findings. It is also possible that comparisons showing increases in cardiovascular events after a smoking ban were not submitted for publication because the results were considered implausible. Hence, the true distribution from single regions would include both increases and decreases in events and a mean close to zero, while the published record would show only decreases in events. Publication bias could plausibly explain the fact that dramatic short-term public health improvements were seen in prior studies of smoking bans.”
Evidentemente, qualquer estudo científico e estatístico é passível de ser questionado. O ponto relevante aqui não é esse, mas sim a atitude da grande imprensa em relações a essas questões. O trabalho citado não ganhou nenhum destaque, seja aqui no Brasil, seja no resto do mundo. A autocensura prevaleceu, justificada pelo “bem maior”. Vivemos numa época marcada por uma enorme influência da ciência na vida social e privada. Cada vez mais atitudes e comportamentos antes considerados como pertinentes à esfera privada são ditados por especialistas que consideram que a sua missão não é meramente informar ao cidadão para que esse faça suas escolhas, mas impor restrições sociais ao exercício da liberdade individual. Em suma, nega-se ao indivíduo a capacidade de conceber juízos a respeito do seu autointeresse.
O lobby da saúde, precisa de limites. e urgente. Estão acabando com a economia brasileira e aumentando o contrabando em bilhoes. Fiquem ligados, não tão nem aí, para desemprego, contrabando e fuga de 10 bilhoes de impostos. Preocupados com saúde?? Risos…..esses não tão nem aí, querem é tar na mídia.