O grande (e diminuto) fã de Ulysses Guimarães

Charge para o Jornalistas & Cia

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A história dessa semana é novamente uma colaboração de Plínio Vicente da Silva.

Assim que se tornou correspondente do Estadão, João Mendes passou a ser consultor de Plínio. Joãozinho era filho de antiga família de fazendeiros roraimenses, mas já em estado de decadência financeira, conhecia todo mundo e cada palmo do território. Sabia os nomes de todas as aldeias indígenas, quando haviam sido criadas, seu tamanho e localização e quem eram os tuxauas de cada maloca.

Um dia, precisando de informações sobre um garimpeiro, contrabandista e traficante, que as suspeitas indicavam ser amigo de um delegado da Policia Federal, Plínio levou Joãozinho Melo para uma cervejada no bar da Mangueirinha, às margens do rio Branco, no centro histórico de Boa Vista. Certamente teria boas informações sobre o cara, pois já os vira juntos em algumas oportunidades.

Ao chegar, Joãozinho se desculpou pelo atraso e justificou: tivera que passar na loja de decorações para apanhar um pôster do Dr. Ulysses, que mandara emoldurar. Presente de um deputado federal, era um desses que decoram gabinetes, no qual o sujeito faz pose de estadista.

Durante a conversa Joãozinho dividia o olhar entre o copo de cerveja e o quadro. O que contou valeu matéria que levou à prisão do garimpeiro, já condenado por crimes cometidos em Bauru, no interior de São Paulo, e que integrava a lista de procurados da Interpol. Por sua vez, o delegado acabou réu em processo administrativo, indiciado em inquérito pela PF e exonerado. Mais tarde, considerado culpado pela Justiça Federal, foi condenado a cumprir pena alternativa: prestar durante um ano defesa gratuita a réus primários.

Um dia, conversando com o pessoal da sucursal de Brasília, Plínio soube que o Dr. Ulysses iria a Boa Vista pela primeira vez. Em plenas vésperas das eleições de 1986 e empurrado pelo Plano Cruzado, o PMDB de José Sarney estava surrando o PDS em quase todos os Estados. Tanto é que elegeu 22 governadores contra apenas um pedessista, o de Sergipe, Antonio Carlos Valadares (Nessa época não havia eleições diretas em Brasília e nos territórios federais e o Tocantins só nasceria com a promulgação da Constituição de 1988).

Em Roraima a elite ainda era alinhada com os militares, daí os apelos para que ele viesse fortalecer o partido na capital macuxi. Foi assim que garantiu pelo menos uma das quatro vagas para deputado federal a que o território tinha direito no Congresso Nacional.

Plínio já conhecia Ulysses e não por conta de sua profissão, mas por conta de seu falecido sogro, Sálvio de Campos que fora amigo dele na juventude em Rio Claro. Sempre que coincidia o fato de ambos estarem na cidade, eles e mais um grupo de amigos da mesma época acabavam se encontrando. Numa dessas ocasiões, Plínio foi a Rio Claro com sua noiva, Maria Salete, e mais a família dela para uma visita a parentes. Foi então que passou cerca de duas horas no encontro dos velhos amigos. Mais tarde, já jornalista, encontrou-o duas vezes, ambas em Brasília.

Quando deu a notícia a Joãozinho Melo os olhinhos dele arregalaram, acompanhados de um sorriso franco de felicidade, seguidos de uma expressão de ansiedade: será que ele conseguiria um encontro com seu ídolo?

No dia da chegada, Plínio levou Joãozinho ao hotel em que o dr. Ulysses se hospedou. Quando ele desceu do apartamento já no final da tarde e entrou no lobby, fez questão de cumprimentá-lo. Ele abriu um sorriso, veio ao seu encontro, lhe deu um abraço e perguntou: “E o meu amigo Sálvio, como ele está?”. Lamentou e contou que foram muito amigos, o que deu à conversa a oportunidade que esperava.

Antes que seus assessores o levassem, pediu-lhe um favor: fazer uma foto dele com um dos seus maiores fãs. Apresentei-lhe Joãozinho, cuja cabeça batia na barriga do então presidente da Câmara dos Deputados. Disparei sua velha Yashica três vezes e mais não fiz porque ele desapareceu no meio das centenas de pessoas que o aguardavam na porta do hotel. Mas João não, ficou ali, arriado no sofá, olhando para a mão que cumprimentara o Dr. Ulysses.

À noite, no discurso que fez na avenida Venezuela, numa área entre os bairros Messejana e Liberdade, dois vultos se destacavam no palanque pela enorme diferença de tamanho: Ulysses Guimarães e João Melo.

No dia seguinte, eles se encontraram para uma cervejada no bar da Mangueirainha e Plínio entregou a um sujeito ainda emocionado as fotos e os negativos. Não muito tempo depois, a foto virou um novo pôster, aquele do dia em que ele conheceu o dr. Ulysses. E que ficou na parede da sala de sua casa até o dia em que, atacado por uma grave cirrose hepática, morreu, em 9 de dezembro de 1989.

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