Charge para o Jornalistas & Cia
Paulo Vieira Lima tem muitos predicados na extensa folha de serviços prestados ao jornalismo, em diversos meios de comunicação. Um filósofo, que sempre está pensando em novas ideias, defendendo princípios dignos. Mas que ninguém cobre muita organização ou encha de disciplina ao nosso Buda Preto, apelido que ganhou graças à barriga protuberante e o jeitão de guru.
No início da Rádio CBN era um entra e sai intenso da redação, na época com 60 pessoas só em São Paulo. Sem muito espaço para colocar suas bugigangas, José Nello Marques às vezes deixava o paletó em cima da mesma peça usada pelo Paulo, na cadeira que este ocupava na produção da pauta. Além de apresentador da CBN no período da tarde, Zé era correspondente do serviço em português da Voz da América, a emissora do governo norte-americano que transmite em várias línguas. Zé Nello ou trazia o boletim escrito à mão ou sentava numa mesa e redigia ali, na bucha.
Paulo sempre foi de fazer várias atividades ao mesmo tempo e vivia apressado, com os compromissos atrasados. Num desses dias, Zé Nello deixou o paletó na cadeira do nosso Buda Preto, que, na pressa, catou o primeiro casaco que viu, jogou nas costas e já saiu em quinta marcha, soltando um rastro de poeira pelos cascos, em direção ao metrô. Com seu jeitão manso, Zé volta pra redação e vai até a tal cadeira-cabide à procura do texto para fazer o boletim da Voz da América.
– Cadê meu paletó? –, pergunta ao chefe de Reportagem ali à frente (antes do computador, formavam-se umas ilhas de duas, três ou quatro mesas, um jornalista trabalhando de frente para o outro).
– Aí! Não é esse? –, sugere o interlocutor.
– Não, não é esse de jeito nenhum! –, devolve Zé.
– Ah, então esse é o do Paulo e ele já foi embora –, confirma o chefe.
Zé Nello ficou louco da vida, bufando, mas não podia fazer nada. O telefone celular nessa época também estava empacado, por uma briga na Justiça entre fornecedores de equipamentos e a estatal Telesp, que atrasou em alguns anos a chegada dos primeiros tijolões a São Paulo. O Rio de Janeiro ganhou a primazia de inaugurar o sistema. Zé espumou, espumou, mas não tinha o que fazer.
Àquela altura, Paulo já estava quase cochilando num trem do metrô, em direção à estação Sé. Já ia subindo a escada rolante, quando enfiou a mão no bolso do paletó e notou um objeto estranho por ali. Seria um pacote de dólares do pagamento da VOA, que o Zé sacara em verdinhas, enquanto no bolso do Buda Preto só existiam carnês para pagar, alguns vencidos? Não, era o texto do pobre Zé Nello, que teve que rabiscar alguns dados às pressas, para fazer a entrada ao vivo na VOA. Ainda bem que o mais ilustre cidadão de Garça é bom de improviso. Já narrou ene vezes saída do paulistano em véspera de feriadão, velório de gente famosa, crimes leves e bárbaros, concurso de miss, desfile de carnaval no sambódromo – na tevê isso é cansativo, mas ainda dá para agüentar; no rádio, é tortura até para o porteiro do turno da madrugada.
Paulo olha para trás, confere que não tem qualquer conhecido subindo a escada rolante, chega lá em cima, dá meia volta e embarca na escada de volta, para pegar o primeiro trem no retorno a Santa Cecília. Vai no primeiro carro, para ter a sensação de que chegará mais rápido. Chega esbaforido, já com algumas gotas de suor na testa. É, não é mole não, empurrar aquela pança da estação até ao Sistema Globo de Rádio, dois quarteirões adiante e ainda subir mais um lance de escada, até chegar na redação. Cansado de botar a cara na janela para ver se via pelo menos um vulto do surrupiador de paletó, Zé Nello parte para o banheiro. Sorte, hein, Paulão?
Paulo entra apressado, dá uma panorâmica no ambiente, vai até à cadeira e destroca os paletós, rapidamente, antes que o Zé Nelo aparecesse do nada e, no calor da emoção, desse uma espinafrada no amigo. Alguém tenta puxar o Paulo para a defesa de alguma tese de última hora, mas o Buda Preto já engatando uma terceira, diz que está atrasado e sai mais veloz que o Papaléguas, para não ver nem a sombra do dono daquele paletó levado por engano, na distração. Até hoje Zé deve estar confuso com o sumiço e a aparição repentina do casaco, com todos os pertences.